sexta-feira, 26 de março de 2010

Jesus Tanto Livro

“De todas estas, para mim, naturalmente, a mais interessante é a Book-Season, a estação dos livros.
Isto não quer dizer que fora desta estação (Outubro a Março) se não publiquem livros em Inglaterra- longe disso, Santo Deus! Como não quer dizer que fora da London-Season se não dance, ou fora da Travelling-Season se não viaje. Significa simplesmente que as grandes casas editoras de Londres e de Edimburgo reservam, para as lançar nesta época, as suas grandes novidades. Um livro de Darwin, um estudo de Mantthew Arnold, um poema de Tennyson, um romance de Georges Meredith serão evidentemente guardadas para a estação. De resto, durante todo o ano, não se interrompe, não cessa essa publicidade fenomenal, essa vasta, ruidosa, inundante torrente de livros, alastrando-se, fazendo pouco a pouco, sobre a crosta da terra vegetal do globo, uma crosta de papel impresso em inglês.
Não sei se é possível calcular o número de volumes publicados anualmente em Inglaterra. Não me espantaria que se pudessem contar por dezenas de milhares. …
Enfim, ao que parece, é uma formidável e grandiosa estação de livros. Aos romances, nem aludo: montões, montanhas- e monturos.!
Uma pastora meio selvagem das Ardenas, que nunca vira outro espectáculo mais grato ao seu coração do que as cabras que guardava, foi um dia trazida das suas serranias a Paris, quando no boulevard passava, com a tricolor ao vento, um regimento em marcha. A pobre donzela fez-se branca como a cera, e só pôde murmurar, numa beatitude suprema.
-Jesus!,tanto homem!
Eu sei que estou aqui fazendo o papel ridículo desta pastora, e balbuciando, com a boca aberta como se chegasse também das Ardenas:
-Jesus!, tanto livro!

Cartas de Inglaterra, Eça de Queirós


Da longa estada em Inglaterra, fica o humor inglês que perpassa pelos seus livros, expondo a ridículo situações de carácter social. Cartas de Inglaterra pertencem a este período e vão sendo enviadas a partir de 1877, em forma de crónicas, para o jornal do Porto.
E que crónica, Eça de Queirós, escreveria hoje ao ver a grandiosa estação de livros em Portugal?
Como ele diria: Mas o resto da comparação complete-a, antes, o leitor astuto.”

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