quarta-feira, 30 de março de 2011

A Inimizade e a Amizade

René Char et Martin Heidegger


«No nosso tempo, aprendemos a sujeitar a amizade àquilo que se chama as convicções. E mesmo com o orgulho da réctidão moral. De facto, é preciso alcançar uma grande maturidade para compreender que a opinião que defendemos é apenas a nossa hipótese preferida, necessáriamente imperfeita, provávelmente transitória, que só os indivíduos muito limitados podem fazer passar por uma certeza ou uma verdade. Ao contrário do que sucede com a pueril fidelidade a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, porventura a única, a suprema. Observo a foto de René Char ao lado de Heidegger. Um, celebrado como resistente contra a ocupassão alemã. O outro, denegrido por causa da simpatia demonstrada, em determinado momento da vida, pelo nazismo emergente. A foto data dos anos do pós-guerra. Estão de costas; boné na cabeça, um alto, o outro baixo, caminham na natureza. Gosto muito desta fotografia. »

Milan Kundera, Um Encontro, D.Quixote, 2011.

terça-feira, 29 de março de 2011

No Centro

«Ouve-se Downtown Train, canção de Tom Waits. Não entende o inglês, mas parece-lhe que a letra fala de um comboio que vai para o centro da cidade, de um comboio que leva os seus passageiros para fora do distante bairro onde cresceram e no qual levavam toda a vida encurralados. O comboio vai para o centro. Da cidade. É possível que vá para o centro do mundo. Para Nova Iorque. É o comboio do centro. Não pode sequer imaginar que aquela canção não fale de nenhum centro. Acreditando que aquele tema de Tom Waits fala disto, nunca se cansou de ouvi-la. Para ele, a voz de Waits tem a poesia do comboio suburbano que une o bairro da sua infância a Nova Iorque. Sempre que escuta a canção, pensa em antigas viagens, em tudo o que teve de deixar para se dedicar à edição. Agora, quanto mais velho se sente, recorda a sua antiga determinação, a sua inicial inquietação literária, a sua dedicação sem limites durante anos ao perigoso negócio da edição, um negócio tantas vezes ruinoso. Renunciou à juventude para procurar a obra honesta de um catálogo imperfeito. E o que sucede agora quando tudo terminou? Resta-lhe uma grande perplexidade e a carteira vazia. Um sentimento de para quê. Um pesar tosco durante as noites mas ninguém lhe tira que teve um empenho e que o levou longe. E isso é muito sério. No final, como dizia W.B. Yeats, tenha-se ou não sorte, a determinação deixa sempre marca.»
Enrique Vila-Matas, Dublinesca.


sábado, 26 de março de 2011

A história do livro doce como mel

"Então vi, e eis que uma mão se estendia para mim: nela havia um livro e este estava escrito por diante e por detrás. Depois disse-me:
Filho do homem, come o que achares; come este rolo, e vai, fala à casa de Israel.
Então abri minha boca: e me deu a comer o livro.
Então o comi, e era em minha boca doce como mel
."

Histórias escolhidas da Bíblia por José Tolentino Mendonça, ilustradas por Ilda David’

sexta-feira, 18 de março de 2011

Objecto de Desejo

Desenho de Urbano

andar por ai
dentro da tua sombra,

enxuto

Emanuel Jorge Botelho, Dois Poetas e Um Pintor, Ed Artes e Letras.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Dois Poetas e Um Pintor


Dois Poetas e Um Pintor
No dia do Nosso Vigésimo Aniversário


No calendário deste ano, o dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia, segunda-feira, é um momento luminoso.
Comemoramos vinte anos de existência, e queremos que este celebrar de duas décadas aconteça com uma festa das letras e das artes.

É assim que, pelas 20.30 horas desse dia, a chancela da nossa Livraria põe à disposição dos muitos leitores que frequentam o nosso espaço um livro que se nos afigura precioso – Dois Poetas e Um Pintor.

Este livro/objecto, que nos orgulhamos de editar, é composto por trabalhos de António Teves, Emanuel Jorge Botelho e Urbano, sendo que, para além da sua tiragem normal, terá uma tiragem especial numerada – em caixa, com gravura de Urbano e a assinatura dos seus autores.

Na terra que amamos, pela terra que amamos, continuamos teimosamente, a semear artes e letras.
Contamos com a sua presença.
Temos um abraço de duas décadas para pousar nos seus ombros.
Muito obrigado!

sábado, 12 de março de 2011

Os Açores Na Política Internacional



Medeiros Ferreira, historiador, político e comentador de renome, explica a importância estratégica dos Açores na cena política internacional, das duas Guerras Mundiais até à União Europeia e suas relações com os EUA. «A importância internacional dos Açores foi-lhe sempre atribuída pelo jogo das potências, pela configuração das estradas comerciais marítimas e aéreas, pelo desenvolvimento técnico das artes da navegação, pelas invenções tecnológicas, em suma, pelo contexto da política internacional. A Horta já foi mais alemã e inglesa, e o porto de Ponta Delgada mais norte-americano do que britânico, ou francês, durante a Primeira Guerra Mundial; a Terceira, mais britânica e Santa Maria, mais americana, enquanto S. Miguel ficou neutralizado com as forças expedicionárias portuguesas durante a Segunda Guerra Mundial, e até ainda há pouco tempo as Flores albergavam observadores balísticos franceses. Este livro aborda, de forma original, creio, essas diferenças entre ilhas. Em termos prospectivos, a importância político-estratégica do arquipélago tenderá a ser definida pelo grau de entendimento entre Lisboa, Londres e Washington. Nos Açores se decidirá ainda a profundidade atlântica e espacial da União Europeia, e a resposta norte-americana a essa presença.»
Açores na Política Internacional de José Medeiros Ferreira, Ed. Tinta da China 2011.

quarta-feira, 9 de março de 2011

20 Anos 20 Livros



“Julgou que o receava. E esse receio era de tal maneira sedutor que o decurso dos dias começou a regular-se pela sua espera. Conhecia-lhe os passos muito ao longe, com percepções agudas de animal. Sentia-se febril e tiritava, puxando um grande xaile contra o peito. Viciou-se depressa no mal estar. A voz, o cheiro, o caminhar de Jayme desordenavam-lhe o pulsar do sangue. Não lhe chamava amor, mas percebia que se virara inteiramente para ele, como há flores que se viram para o sol e mais não fazem que o acompanhar.”
Lillias Fraser
, Hélia Correia, Ed. Relógio D'Água, 2001.


Lillias Fraser, a história da menina de “olhar dourado” que adivinha a morte, é a personagem central deste belo romance de Hélia Correia publicado em 2001, pela editora Relógio D’Agua. Este livro dá início a esta rubrica de escolhas 20 Anos 20 Livros, que ao longo das últimas duas décadas tiveram para nós maior importância.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Antero de Quental e a Viagem à América




Antero de Quental e a Viagem à América - Remando contra a Maré
Ana Maria Almeida Martins, Ed. Tinta da China 2011.

Antero de Quental é uma das mais importantes figuras de toda a história da cultura portuguesa, destacando-se na famosa Geração de 70. Ao interesse pela sua riquíssima obra literária, tem-se muitas vezes sobreposto uma certa curiosidade mórbida pelo suicídio do autor, a partir do qual nasceriam muitas teorias e opiniões acerca da natureza neurodepressiva de Antero. Ana Maria Almeida Martins, que se tem dedicado incansavelmente aos estudos anterianos, conta a história da viagem de Antero aos Estados Unidos da América, destronando equívocos há muito vigentes e colocando em evidência a equilibrada e profunda intelectualidade do escritor, o seu interesse pelas grandes revoluções que se desenrolavam na América – políticas e tecnológico-industriais -, as suas incursões pela literatura norte-americana. Antero embarca rumo ao Novo Continente para saciar esse desejo de descobrir as efervescentes forças sociais, o desenvolvimento industrial e capitalista, a vida concorrida e populosa da grande metrópole. Desta viagem sobreviveriam memórias, mas também o acentuar de influências literárias norte-americanas na obra do escritor.

terça-feira, 1 de março de 2011

Dublinesca

Samuel Riba considera-se o último editor literário e sente-se perdido desde que se retirou. Um dia tem um sonho premonitório que lhe indica claramente que o sentido da sua vida passa por Dublin. Convence então uns amigos para irem ao Bloomsday e percorrerem juntos o próprio coração do Ulisses de James Joyce.
Riba oculta aos seus companheiros duas questões que o obcecam: saber se existe o escritor genial que não soube descobrir quando era editor e celebrar um estranho funeral pela era da imprensa, já agonizante pela iminência de um mundo seduzido pela loucura da era digital. Dublin parece ter a chave para a resolução das suas inquietações.
Neblina e mistério. Fantasmas e um humor surpreendente. Enrique Vila- Matas regressa com um romance que parodia o apocalíptico ao mesmo tempo que reflecte sobre o fim de uma época da literatura. Um romance deslumbrante, aberto às mais diversas leituras, uma verdadeira prenda povoada de surpresas. Simplesmente genial.

Dublinesca, Enrique Vila-Matas, Ed. Teorema 2011.