quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Recensão dos Sonetos Completos de Antero de Quental - Expresso



SONETOS COMPLETOS
Antero de Quental

"Antero de Quental (1842-1891), figura mítica e romântica do Portugal oitocentista, filho e neto de liberais e de mãe muito religiosa, viveu quase sempre dividido entre esses dois mundos e disso deu conta em poemas, cartas e muitos outros textos. Num Portugal atrasado e pobre, ousou, pensou, combateu, amou, sempre com a mesma alta postura ética. Foi sobretudo um poeta. E como tal reconhecido por leitores alemães, espanhóis, russos, franceses, ingleses, italianos, suecos. A Livraria Artes & Letras, de Ponta Delgada, terra natal de Antero, quis assinalar o nascimento, a vida e a obra de um dos “Vencidos da Vida”, organizador das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, com a publicação desta cuidada edição dos “Sonetos Completos”. Para tal convidou Ana Maria Almeida Martins, especialista na obra do “poeta das ideias”, autora do prefácio, que recupera a edição de 1886, por respeitar integralmente o critério de Antero de Quental. A luz, paixão e fogo que vibram na poesia de Antero, mormente nos Sonetos, dão bem a medida de uma aspiração que o acompanhou no tempo que vai da redação à revisão e publicação dos mesmos, aspiração essa temperada por um filtro metafísico que eclode sistematicamente nos versos e os satura de uma mescla de sentir e pensar, de compulsão e contenção, como não podia deixar de ser num homem cujas características sempre foram essas mesmas, quer enquanto indivíduo introspetivo quer enquanto cidadão interventivo. Para o autor, os Sonetos constituíam uma espécie de autobiografia espiritual, o que terá induzido uns quantos a olhar para a sua poesia como um mapa dos seus tormentos existenciais, amorosos e outros, chegando mesmo a entender a reflexão metafísica e o pessimismo ali presentes como prenúncio do dia fatídico. Felizmente, outros tantos leitores assinalaram, também desde os primórdios, o quanto a poesia anteriana tem, como disse o correligionário Eça de Queirós, dessa “coisa estranha e rara – as dores de uma inteligência”. Uma inteligência dividida entre eros e tanatos. Uma poesia das coisas que se insinua, lenta e musical, no leitor. “Deixá-la ir, a vela, que arrojaram/ Os tufões pelo mar, na escuridade,/ Quando a noite surgiu da imensidade,/ Quando os ventos do Sul se levantaram…// Deixá-la ir, a alma lastimosa,/ Que perdeu fé e paz e confiança,/ À morte queda, à morte silenciosa…”. Razão tem por isso Eduardo Lourenço quando assinala que não há na nossa literatura poeta tão naturalmente universal como Antero. “É como se estivesse só no Universo, ilha pura, sem qualquer arquipélago.”"

CARLOS BESSA
in Expresso, Agosto 2016

quarta-feira, 17 de agosto de 2016


          Soneto 5 

          As horas que em terno ofício emolduraram
          Essa face gentil onde o olhar se demora
          Hão-de ser a tiranas de si mesmas, as horas,
          Como da fealdade que a perfeição supera.
          Pois não repousa o Tempo, antes guia o Verão
          Ao temível Inverno, para aí o lograr;
          A seiva enregelada, as folhas sem fulgor,
          Soterrada a beleza, e em vez, desolação.
          Assim, não fora a essência do Verão conservada,
          Líquida prisioneira entre vítreas paredes,
          O fruto da beleza por ela era roubado
          E nem memória havia de beleza que fosse.
             Mas a flor, no Inverno, perde só a aparência,
             Sobrevivendo, doce, o que lhe deu substância.

            31 Sonetos, William Shakespeare, Relógio d'Água, 2015

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Aquela Ilha Esquecida



“Aquela Ilha esquecida
Que eu habito adormecida
Que, à noite, eu vou habitar;

Aquela Ilha encantada
Que não se encontra de dia,
Pois fica na madrugada;

A Ilha não descoberta,
Onde a criptoméria aberta
Espalha em volta o luar;

A Ilha desconhecida
Que pelos caminhos do sonho
Se mostra a quem a buscar.

Áquela Ilha distante,
Não há ninguém que se afoite…

Aquela Ilha esquecida
Que só tem um habitante:
Eu que lá vivo de noite…”  


(In) Antologia Poética, Natália Correia, D.Quixote, 2013

quinta-feira, 28 de julho de 2016

D.Pedro IV- São Miguel, 10 de junho de 1832


 “Minha querida Maria. Recebi a tua cartinha de 10 de maio escrita um pouco mal para a tua idade e adiantamento. Parece-me que tu não tens cuidado muito de estudares, e enquanto Mamam não me mandar dizer que tu te aplicas como no meu tempo eu não deixarei de te mostrar sempre que tenha ocasião o meu desprazer: quando tu, minha filha, chegares a uma idade mais avançada, tu não deixarás de conhecer que eu tinha razão de te desejar ver instruída, o efeito de não ter recebido uma educação conveniente eu tenho sentido, tudo que tenho feito tem sido porque Deus me tem favorecido, eu não quero que tu me julgues para o futuro um pai descuidado de tua educação, antes quero que me tenhas por severo.
            O amor que te tenho, minha querida filha, é que faz falar-te tão claro, eu espero que tu estudes d’ora em diante como convém a quem tem que reger uma Nação que precisa de bons exemplos e de uma rainha assaz instruída (…)”.

Carta de D. Pedro IV, rei de Portugal e Imperador do Brasil, a D. Maria II

(In) D.Pedro IV, Paulo Rezzutti, Casa das Letras, 2016. 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

"Doce Carícia"

   Amory Clay, 1928
       
        O romance Doce Carícia assume-se como uma cativante autobiografia ficcional da autoria de William Boyd acerca da inesquecível Amory Clay.
             A obra centra-se na figura de Amory Clay, cujo trajeto fora marcado, entre diversos aspetos, por momentos fulcrais do século XX: “Amory Clay recomeçara a fotografar e era paga para isso-, mas era estranho estar na América enquanto se travava uma guerra Europa”. Nascida na década que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, a protagonista da obra em questão recebeu um nome andrógino por parte do seu pai que ficara desapontado pelo sexo do bebé, anunciando-o como masculino. No entanto, Amory não adotou uma atitude de submissão, tendo-se assumido como mulher e rejeitado os limites que lhe impunham. Apaixonada pela fotografia, dedicou-se ao registo da sua própria versão dos acontecimentos, além de que circulou entre Londres e Nova Iorque na qualidade de fotojornalista e de jornalista de moda: “Depressa percebi que não era uma fotógrafa de moda; examinava uma vez e outra as minhas fotografias para a American Mode e não via senão poses rígidas, falsas e inibidas- mediocridade, em suma. As poucas fotos informais que consegui fazer com as modelos, enquanto elas mudavam de roupa, quando iam buscar um café ou quando ficávamos à conversa o fim da sessão, pareciam-me mil vezes mais vivas”.
A audácia apresenta-se como uma constante da personalidade de Amory, não temendo arriscar tudo. O seu desejo desenfreado de adquirir novas experiências levou-a a conhecer a decadência do período histórico que vivenciou. William Boyd, o autor de Doce Carícia nasceu no Gana, mais propriamente, em Acra, tendo desempenhado em Oxford o cargo de professor de inglês e literatura. Atualmente é membro da Sociedade Real da Literatura Inglesa, passando grande parte do seu tempo em duas regiões distintas: Londres e França.
Neste romance, o leitor depara-se com uma personagem que se reveste de uma vibrante, dinâmica e forte personalidade.


Doce Carícia , William Boyd, D.Quixote, 2016

quinta-feira, 21 de julho de 2016

"À Beira da Água"



“Havia escorpiões na gruta o ano inteiro, mas sobretudo nos dias antes de as plantas começarem a deixar passar as gotas de água. A velha tinha uma trouxa enorme com trapos e servia-se dela para os expulsar das paredes e do teto, pisando-os rapidamente com o calcanhar duro e nu. De vez em quando, um passarozinho ou pequeno animal selvagem aparecia à boca da gruta, mas ela nunca era suficientemente rápida para o matar e já tinha desistido de tentar”.

Paul Bowles, o escritor nova-iorquino de Queens, começou por viajar em 1929, tendo como destino a Europa, onde conviveu com Gertrude Stein, Jean Cocteau e Ezra Pound, entre outros. Em 1931, o viajante escolheu Tânger como destino para passar grande parte da sua vida, sendo a sua produção literária influenciada pela dinâmica das múltiplas culturas que conhecera.
A sua vida fora marcada pela dedicação à composição musical, assim como, à escrita de ficção, poesia, ensaios e reportagens. Destaca-se, entre a sua vasta obra literária, O Céu que Nos Protege que ocupou o primeiro lugar da lista dos livros mais vendidos do The New York Times, além de que foi alvo de uma adaptação cinematográfica por parte de Bernardo Bertolucci. Atualmente, a obra À Beira da Água apresenta-se como o primeiro de dois volumes que reúnem os contos de Paul Bowles. À Beira da Água contém 29 contos, como por exemplo O Escorpião que incide na história de uma velha de escassos recursos e de fraca memória que vivia sozinha numa gruta de argila frequentemente habitada por escorpiões. Igualmente interessante é o conto intitulado Paragem em Corazón, onde um casal em lua de mel se apresenta como protagonista. A ação desenrola-se com base na intensificação da ansiedade do marido face ao desaparecimento da esposa e na consequente tentativa de a encontrar. Neste cenário o leitor depara-se com o frenético batimento cardíaco do marido que está intimamente ligado ao título Paragem em Corazón. Paul Bowles socorre-se do amor, do suspense e da intriga, construindo este cativante conto.

 À Beira da Água, Paul Bowles, Quetzal Editores, 2016. 

segunda-feira, 18 de julho de 2016

George Orwell - "Ensaios Escolhidos"



George Orwell, oriundo da Índia Britânica, mais propriamente, de Motihari, assumiu-se como jornalista, ensaísta político e um como um dos mais emblemáticos escritores ingleses do século XX.
Ao defender o autonomismo, George Orwell fora considerado simpatizante do anarquismo, opondo-se, de forma intensa, ao totalitarismo. A sua produção literária é marcada pela oposição mencionada, além de que reflete profundas injustiças sociais. Estes seus ideais transparecem na célebre obra intitulada 1984 que se apresenta como um romance distópico, cujo foco incide na realidade e no terror de cariz político nos mais diversos países. George Orwell, em 1984, critica os fatores que na sociedade moderna poderiam conduzir a uma vida de privação e embrutecimento. É de referir que o escritor, ao escrever 1984, não imaginava que a sua obra adquirisse um caráter profético, apesar de se ter assistido à concretização de certos cenários patentes na mesma – “The Big Brother is Watching you”.
Na obra Ensaios escolhidos estão reunidos 37 ensaios que acompanharam o trajeto de George Orwell desde a Birmânia até à sua vida em Londres e Paris. Veja-se, por exemplo, em Bons Maus Livros, a reflexão do autor acerca de obras que não tendo grandes pretensões literárias eternizaram-se: “Um tipo de livro que raramente vemos ser produzido hoje em dia, mas que floresceu abundantemente no final do século XIX, é aquele que a Chesterton chamou o “bom mau livro”, ou seja, o tipo de livro que não tem pretensões literárias, mas que permanece legível numa altura em que produções mais sérias já desapareceram de cena. Dentro desta categoria, livros claramente notáveis são Raffles e as histórias de Sherlock Holmes, que mantiveram a sua posição enquanto inúmeros “romances sociais”, “documentos humanos” e “terríveis denúncias” disto ou daquilo caíram num merecido esquecimento. (…) Contudo, todos os livros de que tenho estado a falar são “literatura de evasão”. Formam gratos nichos na nossa memória, sossegados recantos onde o espírito pode pastar ocasionalmente, mas dificilmente pretendem ter algo que ver com a vida real”.

Ensaios Escolhidos, George Orwell, Relógio D’Água, 2016.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Literatura, Identidade, uma pequena reflexão sobre "Minima Azorica" de Onésimo Teotónio Almeida



A temática de Minima Azorica O meu mundo é deste reino, livro de ensaios da autoria de Onésimo Teotónio Almeida, incide na afirmação de uma identidade específica: a açoriana.
Na obra supramencionada, Onésimo Almeida realça a quão problemática fora a aceitação da reflexão em torno da tese da identidade, pelo que foram necessários longos períodos de tempo para que se verificasse o estabelecimento da mesma. A este propósito é fulcral fazer referência ao ensaio intitulado Minima Azorica, ou a fala de açorianos no meio do mar patente no terceiro volume da obra BorderCrossings Leituras Transatlânticas, da autoria do ensaísta Vamberto Freitas que afirma: “[…] Levou muitos séculos para nomearmos o que nos aconteceu e nos moldou como povo- a açorianidade […]”.
Não obstante viver no continente americano, Onésimo Almeida revela-se incapaz de esquecer a sua origem açoriana, razão pela qual alega: “[…] Jamais escondi que os Açores me foram e são, ainda e sempre, um lugar íntimo. […] Os primeiros vinte e dois anos de vida imprimem um caráter a qualquer um […]”. Uma das diversas ideias a destacar da sua obra assenta, sem dúvida, no desinteresse do público continental face à cultura açoriana e, consequentemente, na irracionalidade da insistência em obter tal interesse. É, precisamente, neste contexto que o Onésimo Almeida afirma: “[…] Esforço vão, como tantos outros no país. A partir de certa altura, achei mais sábio desistir. Não vale a pena tentar captar o olhar e os ouvidos de quem vive há séculos obcecado com a atenção dos estrangeiros […]”. Significa isto que de, acordo com o autor, o importante é focarmo-nos na afirmação da nossa cultura em detrimento da preocupação com a indiferença nacional. Esta indiferença perante a cultura açoriana é reiterada por Vamberto Freitas: “[…] Não tem sido nada fácil a nossa afirmação histórica e cultural como parte fundamental e indesligável da restante nação”.
Segundo Onésimo Almeida, a reforçar a existência da açorianidade surge a elevada publicação literária açoriana, de qualidade, que tende a superar a nacional. É neste âmbito que, de entre uma multiplicidade de autores, se alude a alguns açorianos, tais como, Pedro da Silveira, Natália Correia, Vitorino Nemésio, Dias de Melo, Daniel Sá, Fernando Aires, Antero de Quental, Emanuel Félix, José Enes, Madalena Férin, Rogério Silva e José Martins Garcia, os quais em muito contribuíram para a dinamização da história cultural literária. A açorianidade transparece na forte influência que a geografia e os elementos físicos que a compõem exercem sob a escrita dos autores mencionados. Quer isto dizer que, de acordo com autor, o isolamento, as tempestades, os vulcões, as chuvas prolongadas e os cataclismos açorianos produzem um ambiente específico que molda a cultura e, por conseguinte, a escrita que, assim, apresenta traços peculiares. São destes elementos climatéricos que decorre a predominância da melancolia e da fatalidade na produção literária açoriana.
A necessidade de afirmação da identidade açoriana é fruto do confronto com a realidade cultural exterior, representada pelo continente português, do qual resulta a consciencialização açoriana das diferenças existentes nessa mesma realidade e a consequente necessidade de afirmação de uma identidade distinta. Deste modo, faz todo o sentido o subtítulo da obra Minina Azorica: O meu mundo é deste reino.


Sara Simão
Helena Frias

Ponta Delgada 14 de julho, 2016

terça-feira, 12 de julho de 2016

A enigmática personalidade italiana de Elena Ferrant



Elena Ferrante assume-se como uma das figuras mais enigmáticas no campo literário da atualidade.
Provavelmente, Ferrante terá nascido em 1943, em Itália, num pobre e popular bairro de Nápoles, tendo vivido na Grécia. O mistério que se lhe associa advém do desconhecimento do seu género, constituindo o seu nome um possível pseudónimo. Publicou, pela primeira vez, em 1991, o romance intitulado Um Estranho Amor. A reforçar o seu anonimato surge a inexistência de um contacto direto com jornalistas nas entrevistas, escassas, escritas e intermediadas pelos próprios editores, em que aceitou participar. Ferrante sempre evitou comparecer à entrega de prémios ou à estreia de adaptações cinematográficas das suas obras. A honestidade apresenta-se como uma constante da sua escrita, ideia que é ilustrada pela seguinte frase proferida por Ferrante numa entrevista publicada pela revista literária The Paris Review:“A ficção literária parece-me feita de propósito para dizer a verdade”.
Editada em Portugal pela Relógio D’Água, a tetralogia de Elena Ferrante compõe-se de Amiga Genial, de História do Novo Nome, História de Quem Vai e de Quem Fica e História da Menina Perdida. A sua carreira adquiriu um enorme prestígio com a publicação das suas obras em diversos países e, consequentemente, com a obtenção de excelentes críticas nos Estados Unidos da América. James Wood em 2013 na revista The New Yorker, elaborou um extenso artigo a elogiar a capacidade criativa literária afirmando: ”Elena Ferrante” is one of Italy’s best-known least-known contemporary writers. She is the author of several remarkable, lucid, austerely honest novels […]”. De igual modo, o jornal inglês The Guardian efetuou rasgados elogios acerca de Ferrante. Não obstante serem reinventadas, as histórias são inspiradas em acontecimentos reais, facto que se encontra patente numa entrevista que Ferrante aceitou para o New York Times: “As mulheres das minhas histórias são ecos de mulheres reais que, por causa do seu sofrimento ou da sua combatividade, influenciaram muito a minha imaginação: a minha mãe, uma amiga de infância, mulheres conhecidas cujas histórias eu sabia”. A este propósito surge em Amiga Genial, a personagem Raffaela Cerullo, mais conhecida por Lila, que desempenha, entre diversos papéis, o de amiga de infância de Elena e de mãe de Rino. A escrita de Ferrante, geralmente, incide nas angústias de um passado das quais as figuras femininas se revelam incapazes de se libertar. A narrativa do primeiro volume da tetralogia foca a angústia de Lila, mais propriamente, o seu desejo de desaparecer sem deixar rasto: “[…] Há pelo menos trinta anos que me diz que quer desaparecer sem deixar rasto, e só eu sei bem o que ela quer dizer. […] A sua intenção foi sempre outra: queria volatilizar-se; queria que todas as células desaparecessem; que dela não fosse possível encontrar nada […]”. O estado de alma de Lila acaba por ser transposto para o seu filho Rino e amiga Elena aquando do seu desaparecimento sem rasto: “Rino ligou-me esta manhã […] Mas o motivo do telefonema era outro: não sabia da mãe. […] Mas acabara por ficar preocupado. Perguntara a toda a gente, dera uma volta pelos hospitais, até tinha ido à polícia. […] Disse-me coisas sem pés nem cabeça. Queria ir à televisão, ao programa onde se fala das pessoas desaparecidas, fazer um apelo, pedir perdão à mãe, suplicar-lhe que volte”. 
 A identidade de Elena Ferrante restringe-se à personagem literária, constituindo-se, por isso, na vida real como um enigma. Socorre-se da absoluta liberdade de criação artística, fruto do forte respeito pela sua vida privada, de modo a reinventar acontecimentos reais por via da escrita.

Todos os Contos



"Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.  Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos inconvencíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra".


(In) Todos os Contos, Clarice Lispector, Relógio D'Água, 2016.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Obras de José Martins Garcia


Amanhã, na LeYa na Solmar pelas 18.30h, apresentação pública da reedição de três grandes obras de José Martins Garcia. A colecção, integrada na Biblioteca Açoriana da Companhia das Ilhas, é dirigida pelos escritores Urbano Bettencourt e Carlos Alberto Machado.
(…) Este autor tem caminhado sempre por caminhos próprios, sem atenção às últimas modas ou preocupaçõezinhas existenciais. Não é yuppie nem está fora de horas – vai, exactamente por isso, perdurar. Noutro livro seu, pressentimos que algo de maior está para vir. Talvez a preocupação, a obsessão, com o Grande e Definitivo romance diz só respeito aos críticos. Talvez. Mas poucos em Portugal, nestes nossos dias, têm dado provas dessa possibilidade, como este autor.
[Vamberto Freitas, “Memória da Terra ou o Perpétuo Cativeiro”, in "O Imaginário dos Escritores Açorianos", Lisboa, Edições Salamandra, 1992: 41]


quarta-feira, 22 de junho de 2016

Uma Ode aos Açores



«Toda a vida escrevi sobre a Mulher de Porto Pim, livro de cabeceira e artefacto literário que contemplo como se fosse um Moby Dick em miniatura. As suas (…) páginas são um bom exemplo de «livro de fronteira», um mecanismo feito de contos breves, fragmentos de memórias, diários de viagens metafísicas, notas pessoais, biografia e suicídio de Antero de Quental, fragmentos de uma história ouvida na coberta de um navio, mapas, bibliografia, bizarros textos jurídicos, canções de amor: elementos que à primeira vista não têm nada a ver entre si, sobretudo com a literatura, mas que Antonio Tabucchi transformou em ficção pura. Um livro memorável.» 

Enrique Vila-Matas

Mulher de Porto PimAntonio Tabucchi, Editora D.Quixote, 2016.


quinta-feira, 9 de junho de 2016

Uma viagem literária pelo magnífico arquipélago dos Açores

O segredo das Ilhas, narrativa de viagem
João de Melo
Editora D.Quixote, 2016


Já disponível!


"A melancolia é uma arte. Vede quanta beleza existe no próprio e simples dizer das cinco sílabas desta palavra: me-lan-co-li-a. Agridoce, tão próxima do silêncio interior como das mágoas do olhar, nos Açores esta palavra é comum a todas as ilhas. E a todas as pessoas. Mas em nenhuma delas como em São Miguel ela resulta tanto desta forma de contemplar o encanto da paisagem; de a ver de cima (quando se sai da Ribeira Grande para o alto da serra, a caminho da Lagoa do Fogo): a gente pára ali, a meio da encosta, volta-se para trás, e pasma. Deslumbra-se com o que tem a frente dos olhos."
João de Melo

quarta-feira, 8 de junho de 2016

A VIDA NO CAMPO - JOEL NETO LANÇAMENTO EM PONTA DELGADA DIA 29 DE JUNHO, PELAS 19H



"De resto, celebramos um Inverno de sol, como foi este, mas depois parece que alguma coisa ficou por concretizar. Os Açores são mais Açores num dia de temporal. E, depois, o sol extemporâneo tem sobre nós um efeito - o mesmo efeito que sentem esses que trabalham de noite e dormem de dia, e que a certa altura perdem mão na passagem do tempo."

Joel Neto

domingo, 8 de maio de 2016

Mia Couto na LeYa na Solmar - 9 de Maio



"Na verdade, o que de mais precioso trouxe comigo foram dois livros de poesia que releio vezes sem fim. Um de Antero de Quental. Outro de Guerra Junqueiro." 


Mia Couto (in) Mulheres de Cinza

domingo, 17 de abril de 2016

Sonetos Completos de Antero de Quental, uma Edição Artes & Letras


Não há na nossa literatura, nem mesmo Camões, poeta tão naturalmente universal como Antero de Quental, dada a natureza ideal e intemporal da sua inspiração e o conflito que a alimenta, pura interpretação do espírito sobre si mesmo no meio de um mundo incompreensível. Nenhum objecto empírico, natural ou histórico, é, ao menos nos Sonetos, matéria determinante da sua poesia. Os Açores como qualquer outro. É como se estivesse só no universo, ilha pura, nem sequer arquipélago.


Eduardo Lourenço, Antero e o imaginário nemesiano.

segunda-feira, 21 de março de 2016

25 anos de Palavras

Artes&Letras

À Livraria.


arrumar o que dos séculos
é o rebentar mais fecundo

destinar aonde pulsa
o suor de outra mão

deixar num canto o corpo
para caber o que se abriga

enquanto não regressa
a braços fora desse pó

outro suor é às escuras
e outro vagueia nas rasuras

em claridade se vão cavando
todas as sortes que rodopiam

só se refugiam as suas portas
quando os hóspedes adormecem

pois carregam a nossa insónia
enquanto o vento embala os frutos



Inédito de Leonardo, 21 Março de 2016





domingo, 20 de março de 2016

25 Anos de Palavras


Fotografia de Walter Tapia


 “ Falar da Livraria Solmar é falar de algo para mim profundamente familiar. Não tanto pelo número de vezes que a frequento, antes por um processo talvez pouco usual, mas particularmente privilegiado. Isto é: mais do que deslocar-me à livraria, é ela quem se desloca até a mim. Todos os dias, sem pedir licença, entra-me pela porta dentro. Senta-se à mesa connosco e connosco faz sala. Diz-me dos livros que chegaram, quem por lá passou, o que se disse, o que se imaginou, se inventou e se concretizou em mais uma iniciativa a partilhar por todos os que a visitam. Depois são os livros que se compraram, sempre envolvidos em inescapável sedução. Prazenteiros, procuram lugar nas nossas estantes. Tira-se um daqui, aconchega-se outro ali e cá está espaço para mais um.
Tudo isto num gesto infinitamente renovado, que nunca cansativo, pois a vida faz-se destes pequenos gestos, expressão do afecto e do culto da palavra.”

 
Adelaide Freitas, 26 de abril 1998 (in) Açoriano Oriental

domingo, 13 de março de 2016

Vamberto Feitas - Céu Nublado com Boas Abertas

Fotografia de Fernando Resendes

Meteorologia açoriana e o continente como desterro
É a minha vez de me expor, de contar histórias, de as cruzar comigo, o meu modo de ser, as minhas contradições e alterações de humor. De escrever um livro que um neto um dia encontrará e com o qual poderá tentar dialogar.

Nuno Costa Santos, Céu Nublado com Boas Abertas



Vamberto Freitas

De todos os livros que Nuno Costa Santos vem publicando ao longo da sua carreira, os contos de dez regressos, publicado em 2003 pela extinta Salamandra Edições, então sob a direcção do seu fundador Bruno da Ponte,  permanece o seu livro mais conhecido e, na altura, mais comentado por um apreciável rol de críticos. Retiro-o da nossa estante aqui em casa em preparação para as linhas que se seguem, e deparo-me com algumas das suas páginas sublinhadas a lápis e comentado nas  margens. Foi a leitura da Adelaide Freitas, autora do Sorriso Por Dentro Da Noite, que seria publicado um ano depois. Releio alguns passos, duplamente fascinado – pela prosa contundente e ágil de um escritor então ainda tão jovem, e nada menos surpreso pelas palavras da minha grande companheira de vida. De entre os montes de livros nas nossas duas secretárias, ela não deixava nunca passar em branco nenhum livro de um autor açoriano, quer esse autor se visse como tal, quer ele se entendesse como tal, quer ele se entendesse como sendo pertencente a geografias muito mais vastas e a cânones supostamente muito mais conhecidos e prestigiados, ou até como um candidato “nacional” ao Nobel. “Viagem em livro de aprendizagem”, “memória”, “e a memória sempre”, escreve ela progredindo na leitura; “note-se a subtileza a todos os níveis”, aponta outro o passo em questão. “Não era igual aos outros”, escreve numa das margens sobre um personagem ou protagonista, ou simplesmente reforça as suas palavras narrativas. Por fim, e entre outros comentários seus, viro para a última página, e encontro enfaticamente sublinhadas as derradeiras palavras do livro: “Só sinto pena de estarmos a consumir a nossa intimidade numa cidade que desconhece os nossos nomes e o silêncio da nossa baía”. A minha regra de nunca ler mais ninguém sobre um livro que eu próprio tenciono comentar foi-se desta vez, e ainda bem. Uma geração de escritores a ler a seguinte, com bondade e inevitavelmente com mente teorizadora, pois foi a nossa a primeira geração nos Açores com formação literária superior. Ouço, nesta tarde tranquila aqui no Pópulo, as vozes serenas de um autor que regressa em força à nossa convivência, e ouço com saudades a voz acutilante desta sua outra leitora, talvez um dos últimas livros que teve entre mãos antes de ser silenciada pela doença. Não vou tentar adivinhar o que a Adelaide diria agora deste novo romance de Nuno Costa Santos, Céu Nublado com Boas Abertas, mas tenho a certeza absoluta que não discordaria, pelo menos em parte, da minha apreciação. A palavra regresso é uma das umas constantes da prosa de Nuno Costa Santos, tal como já o eram em obras suas anteriores. A verdade é que o autor pertence a uma geração que nasceu e cresceu com a “revolução” da sociedade portuguesa a partir de 1974, e cedo começou a dar conta de si como novas vozes literárias, alguns deles atingindo hoje o estatuto ambíguo da maturidade, sabendo que o seu lugar nas nossas estantes ou se consolida agora, ou então passam eles a ser meras curiosidades de uma época, escritores de ocasião e por quinze minutos famosos. Creio que este romance é algo mais do que isso, do que um inevitável regresso à terra de nascença e de todos os afectos. É um retrato extremamente bem conseguido da vida açoriana nos tempos da maior agonia da nossa modernidade, e da insistente memória de que todos necessitamos contra a perdição no Nada, que as partidas também significam. O regresso a casa, na vida e na arte, não é um capricho, é o mais antigo mandamento desde a literatura dos gregos, é o princípio e o fim da poesia, a memória de termos sido como testemunho de quem somos ou de como nos entendemos entre todos os outros. 
    Céu Nublado com Boas Abertas coloca-nos no tempo presente quando, num apartamento lisboeta, cheio de memórias e que fora dos seus avós maternos, o protagonista-narrador descobre um romance inédito, Exílio na Montanha, do seu avô açoriano, João Pereira da Costa, (nascido nos Fenais da Luz, em S. Miguel), que foi como doente de tuberculose, contraída como militar nas Furnas, para os sanatórios do Caramulo nas décadas 30-40, e alguns anos depois como administrador bancário, transferido dos serviços da ilha para a capital. Narrado na primeira pessoa, a estrutura do romance é de uma audácia formal pouco habitual na literatura portuguesa, combinando biografia, autobiografia, historicismo, e um inusitado dialogismo bakhtiniano (o carnavalesco, diria o teórico russo, faz parte da tragédia de estarmos vivos) entre a obra presente e a que inesperadamente a desperta após a sua descoberta nas estantes agora só visitadas por um neto, esse que as lê e leva a cabo um outro pedido escondido do avô – quem encontrasse o seu romance fosse à ilha recolher outras histórias, como que numa actualização do que ficara dito por um escritor da geração desaparecida. Eis aqui a síntese possível de um romance que viaja entre os anos dessa geração, e a dos nossos dias, a sociedade açoriana lembrada numa época já então de um isolamento relativo e os dias presentes de um narrador-escritor regressado, uma vez mais, às origens e enfrentando a ambiguidade da sua própria identidade e razão de vida, apanhado logo de início numa teia policial que lhe vai permitir dissecar outras misérias que assolam a vida moderna nas ilhas desce aos seus subterrâneos enquanto todos em volta fingem normalidade. A ilha, agora, é tão-só a metonímia das grandes sociedades em qualquer parte, só que o narrador não dispensa mais os cantos onde nasceu e aprendeu a amar ou a espreitar o resto mundo. Não vou repetir a temática do regresso (as frases soltas da Adelaide citadas anteriormente claramente dizem algo sobre isto) que faz da nossa escrita um corpus literário de grande autenticidade, quase sem igual no mundo da lusofonia, e aqui está um dos nossos mais eloquentes e bem conseguidos, creio que duradouros, exemplos em Céu Nublado com Boas Abertas, a própria meteorologia açoriana uma personagem dominante na nossa maneira de ver obcecadamente adivinhar o mundo e os seus instáveis humores. A ideia de crime como ponto de partida para as mais recentes grandes narrativas referenciadas no arquipélago parece ser uma constante. Na obra presente leio as andanças de pequenos fora-da-lei repatriados e nativos ligados ao mundo da droga e da prostituição numa ilha atlântica como um contraponto bem mais ameno ao crime oficializado que era o da sociedade em geral na narrativa de Exílio na Montanha, a arbitrariedade entre a vida e a morte de todos um absoluto do seu quotidiano. Para além do sofrimento em o Céu Nublado com Boas Abertas, está o amor dessas mesmas gerações idas, tendo como antonímia o vazio existencialista da actualidade, um mundo de tudo e uma vida de nada. É delicioso passear-nos com o narrador deste romance por pequenas zonas e bairros micaelenses, reviver com ele o sentido das coisas quando a doce solidão e inocência pré-adulta são a memória a que mais nos agarramos. Céu Nublado com Boas Abertas é tudo, no entanto, menos um romance “inocente”, é de uma beleza extraordinária na dissecação e sugestão dos dias que se foram e dos dias que são os nossos. 
   Céu Nublado com Boas Abertas dirige ainda as suas vozes polifónicas a outros diálogos com a cultura popular (música e cinema) e erudita do mundo, não me surpreendendo nada saber que na estante que provoca toda esta outra narrativa está a Montanha Mágica, de Thomas Mann, que havia colocado o seu Hans Castorp noutro sanatório europeu, também nas vésperas de uma grande guerra no continente, e enquanto o seu vulnerável personagem tenta perceber o seu tempo e a sua vida em circunstâncias colectivas semelhantes. Nuno Costa Santos presta aqui uma outra homenagem a determinados escritores açorianos, mencionando títulos de obras ou citando-os directamente nestas suas páginas. A consciência de “arquipélago” – ironicamente não assim tão comum entre nós como se pensará – está também demarcada não tanto pela presença destes seus autores como pela origem de certas personagens do romance. Uma geração faz a cortesia a outra, a nossa tradição literária perpetuada, renovada, contextualizada nos vários tempos das nossas vidas, mesmo enquanto corta com ela numa espécie de contra-narrativa. Na originalidade e eficácia destas páginas, ao comover e a levar o leitor a repensar a sua própria história e a dos seus, a dos Açores e do restante país, nunca esquecendo outras e bem mais distantes geografias das nossas ligações ao mundo, recorda-nos como poucos de como a literatura açoriana se tornou uma das vivas componentes da literatura açoriana se tornou uma das vivas componentes da literatura portuguesa no seu todo. Se as antologias canónicas ainda não deram por isso, poderiam começar por este romance. Que é mais um publicado num grande editora nacional, também deveria significar qualquer coisa, nunca lhe retirando especificidade dos seus referentes e contextualização geral. Não vale a pena insinuar aqui comparações, ou dar mais espaço a outros. Basta dizer que nos últimos tempos o acto literário originário ou, directa ou indirectamente, virados para as ilhas, é nada menos do que brilhante – para quem quiser e souber apreciá-lo, em todas as suas implicações.
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Nuno Costa Santos, Céu Nublado com Boas Abertas, Lisboa, Quetzal, 2016. 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Histórias das relações Portugal - EUA



As relações entre Portugal e os Estados Unidos foram moldadas ao longo do tempo por três circunstâncias condicionantes essenciais: a evolução da distribuição de poder no sistema internacional; os grandes acontecimentos mundiais; a dinâmica geral da ligação entre a Europa e a América.
Quanto às duas primeiras, não há dúvidas de que a ascensão dos EUA a grande potência mundial no início do século XX teve um muito importante impacto no relacionamento luso-americano, o mesmo sucedendo com acontecimentos como as grandes revoluções - com destaque para a América e a Francesa - e as guerras totais.
Mas o principal objectivo deste livro é analisar a terceira circunstância , isto é, procurar perceber em que medida o diálogo entre Lisboa e Washington convergiu, ou divergiu, do quadro mais vasto da conexão entre a Europa e a América.

Histórias das Relações Portugal - EUA ( 1776 - 2015), Tiago Moreira de Sá, D.Quixote, 2016.


O grande Humanista


Umberto Eco (1932-2016)


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

As Fantásticas Histórias da Madeira em BD


A coleção As Fantásticas Histórias da Madeira apresenta-se  em três álbuns de Banda Desenhada, pela mão dos artistas madeirenses Roberto Macedo Alves, Valter de Sousa, Pedro Dória Martins e Martinho Duarte Abreu, que abordam três aspetos da história da Madeira: primeiro O Vinho que salvou a Revolução Americana, segundo Os Mistérios Curral das Freiras e por último O Ataque do Submarino Alemão.
Esta é uma edição conjunta da Sétima Dimensão e APCA. 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Os Navios da Noite


Sujeito a tortura, o preso político confessa segredos reais e imaginários, sofrendo com o estigma da traição durante o resto dos seus dias. O velho sacerdote cai na loucura, sob o peso dos inúmeros pecados que lhe foram confessados ao longo de uma vida de pároco. A professora, que regressa do estrangeiro ao fim de anos de ausência, não reconhece o seu país e rende-se a um segundo exílio, mais cruel. O viúvo solitário que dá de comer a uma criança andrajosa é proclamado profeta e redentor dos desvalidos, mas acorda desse sonho de salvação para a evidência do real, onde não existe esperança nem compaixão. A meio de uma viagem de cruzeiro, o paquete de luxo passa do sonho anunciado aos pesadelos inauditos do mar, convertendo-se num navio fantasma. O cego, a quem devolvem a visão, perde-se no novo mundo visível e opta por voltar aos passos perdidos da cegueira. E há os loucos que amam e odeiam o manicómio nos labirintos da própria loucura; o velho hipocondríaco que esconde um déspota naufragado na sua solidão; José Maria Eça de Queirós de volta a Lisboa, em pleno século XXI; mulheres traídas ora pela doença, ora pelas ingratidões do corpo; entre muitas outras figuras que parecem assombradas pelas fragilidades da condição humana.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Philip Roth - The Writer





"(...)
Ao leitor comum? Os romances dão aos leitores algo para ler.
No máximo, os escritores mudam a maneira como os leitores lêem.
Essa parece-me a única expectativa realista. Também me parece 
mais do que suficiente. Ler romances é um prazer profundo e singular, uma actividade humana absorvente e misteriosa que não exige nem mais nem menos justificação moral ou política do que o sexo."


Philip Roth, Paris Review

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

D' este viver aqui neste papel descripto



14.1.71

"O dia da despedida, lembro-me dele como de uma anestesia; o cansaço, o sono, a saudade, a agitação entravam e saíam de mim numa leveza gasosa. Já nem me lembro bem da família que lá estava e não estava. Mas, do barco, procurei-te sem te encontrar: uma tia Luísa minúscula disse-me, por gestos, que te tinhas ido embora, e foi só então que eu tive a certeza de que me ia embora. Fui para o camarote e sentei-me na cama e ouvia os gritos e os choros sem pensar em nada, e não chorei porque um homem não chora. E nada disto importa porque temos um ao outro até ao fim do mundo."
António Lobo Antunes," D' este viver aqui neste papel descripto"

“Cartas da Guerra” é uma adaptação ao cinema da correspondência de António Lobo Antunes durante a Guerra Colonial em Angola publicada como “D’este Viver Aqui Neste Papel Descripto”, realizado por Ivo Ferreira a competir pelo urso de Ouro de Berlinale 2016.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Do Homem como literatura


"É como leitores que nós somos "literatura", paisagem invadida, submersa, iluminada por todas as emoções, sentimentos, angústias, alegrias que, para parafrasear Pessoa, não damos a nós mesmos nem à vida, mas estão lá, inscritas, incoactivas, nesse lugar sem lugar nem espaço mais virtual do que todos os espaços virtuais que chamamos livro e em virtude do qual somos literatura...
a literatura é o resto, um pouco como Pascoaes dizia da Saudade que é o que fica quando tudo morreu."

Eduardo Lourenço, Do Homem como literatura, (in) Expresso 22 Janeiro/2016



Os Últimos Heróis



Uma homenagem aos últimos heróis portugueses que arriscam a vida na pesca do bacalhau. O fotógrafo Pepe Brix viajou até aos mares da Terra Nova no arrastão “Joana Princesa”. Durante três meses e meio partilhou a vida a bordo com a tripulação daquele que é um dos últimos bacalhoeiros portugueses.Este livro é o resultado dessa viagem. Dezenas de fotografias que revelam a dureza física e psicológica de um quotidiano vivido num espaço circunscrito e em condições climáticas extremas. 
Parte das fotografias foram publicadas na edição de fevereiro de 2015, na revista National Geographic.

Os Últimos Heróis de Pepe Brix, Clube do Autor, 2015.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Veneza versão de Antero de Quental


O texto Veneza foi publicado em 1881 n' A Europa Pittoresca, volume editado em Paris por Salomão Sáragga, amigo de Antero de Quental desde o tempo das Conferências Democráticas. Ao contrário do que afirmam alguns dos primeiros comentadores, não se trata de um texto redigido integralmente por Antero. Na verdade é uma tradução de Venice, de Thomas George Bonney, e de Voyage en Italie de Hippolyte Taine, e simultaneamente uma recriação, pois Antero insere na sua versão inúmeros trechos de sua versão inúmeros trechos de sua própria autoria.

O texto de Bonney, retirado do primeiro de Picturesque Europe - recolha de crónicas de viagens publicada em Londres - pode considerar-se a base e o ponto de partida da edição portuguesa trabalhada pelo poeta açoriano, que apenas traduz algumas partes da versão inglesa. De maneira geral, Antero traduz Bonney (ou John Ruski, por ele citado) no que diz respeito às descrições de algumas obras de arte, itinerários, paisagens - como a dos canais, dos barcos e das gôndolas, ou de determinados aspectos peculiares da cidade, como os pombos - juntando amplas traduções de Taine e parágrafos de sua própria mão, quando tenciona sublinhar a relação entre arte, ser humano, paisagem e história, ou quando pretende enriquecer e enaltecer o estilo. Os excertos do livro do pensador francês, pelo contrário, são fielmente traduzidos, imprimindo uma marca poética, que antes não tinha: o resultado final é portanto um novo texto, um híbrido, entre tradução e « transplantação»

Juntam-se na presente edição, além da versão portuguesa realizada por Antero de Quental, também as ilustrações originais, e o texto inglês original de thomas George Bonney.


Veneza versão de Antero de Quental, Editora Pianola, 2015.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Primeiro Romance de Nuno Costa Santos



 Os Açores com todo o seu mistério e isolamento. A busca de uma identidade pessoal num dos territórios mais perigosos e livres, onde não existe distinção entre realidade e ficção. Um homem volta à sua terra para cumprir uma missão que lhe foi atribuída por um avô que morreu: a de recolher histórias recentes dessa terra, a ilha de São Miguel, nos Açores. Esta é a narrativa de um regresso aos lugares onde cresceu e um duplo diálogo: com o antepassado que lhe deixou uma herança inesperada e com o presente insular impuro, algures entre o sagrado e o profano. Um livro de histórias que se cruzam.

As histórias do avô, internado na estância do Caramulo, durante os anos 40 do século passado, e as das personagens com as quais o protagonista se vai encontrando: um navegador francês em apuros, um traficante de droga ressentido, uma stripper ruiva com anúncio no jornal, um homem que voltou para vingar uma recusa antiga, um fã de Kafka que descobriu que o escritor tinha o sonho de viver nos Açores, um casal chinês que procura a integração num arquipélago estrangeiro, alguém que caminha de madrugada com um terço na mão.

Céu Nublado com Boas Abertas é também a busca de uma identidade pessoal num dos territórios mais perigosos e livres, onde não existe distinção entre realidade e ficção: a literatura.


Nas livrarias a partir de Fevereiro.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

João de Melo vence Prémio Literário Vergílio Ferreira 2016


João de Melo foi eleito vencedor da 20.ª edição do galardão ao final da manhã de hoje, durante uma reunião do júri do prémio, presidido por António Sáez Delgado e que, este ano, integra Elisa Esteves, Gustavo Rubim, Carlos Reis e a escritora Lídia Jorge.

Ler aqui 

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O Conto Literário de temática Açoriana


A antologia "O conto Literário de Temática Açoriana" de Mónica Serpa Cabral, agora editada pela Companhia das Ilhas, foi apresentada pelo Dr. Paulo Meneses no passado dia 16 de Janeiro na livraria LeYa na Solmar.

A presente coletânea de contos e respetivo estudo destinam-se principalmente a valorizar o património cultural açoriano, em particular o conto açoriano, contribuindo para conservar esse património e, ao mesmo tempo, divulgar a literatura dos Açores, promovendo o interesse pela leitura de obras açorianas. O Conto Literário de Temática Açoriana: Estudo e Antologia começa por apresentar um estudo introdutório, com a explicitação de conceitos teóricos de convocação indispensável, com um resumo das teorias do conto em geral e com uma breve descrição do percurso estético-literário do conto português. Integra ainda esta parte uma contextualização histórico-literária do conto açoriano, desde o século XIX até aos nossos dias, com referência aos principais contistas e aos momentos mais marcantes dessa evolução. Numa amostragem que teve de ser necessariamente confinada para que o volume não excedesse as convenientes proporções, são apresentados, na segunda parte do livro, em reprodução integral, contos escolhidos de trinta autores que figuram entre os mais representativos da literatura açoriana, entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XXI. Os contos são precedidos de notas biobibliográficas sobre os autores representados, que incluem um olhar sobre o conto selecionado.

Mónica Serpa Cabral apresenta-nos uma seleção de contos de sua inteira responsabilidade, contudo, embora possa não ser unânime a sua escolha é de louvar o seu árduo trabalho.