quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A União Europeia pode desaparecer sem darmos por ela

                                                        Fotografia Miguel Manso


A União Europeia pode desaparecer sem darmos por ela

 Esta entrevista podia chamar-se a Crónica dos Bons Alunos. Porque das virtudes e desvirtudes de se ser bom aluno se fala ao longo desta conversa sobre o passado e o presente da integração europeia de Portugal e do estado actual da União, que José Medeiros Ferreira, historiador, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo que em 1977 pediu a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, aborda no livro Não Há Mapa Cor-de-Rosa. A História (Mal)Dita da Integração Europeia. Também podíamos definir esta entrevista como uma conversa sobre mapas. Do Mapa Cor-de-Rosa, que dá nome ao livro, aos impérios da Europa que se tornaram anacrónicos, como o império austro-húngaro ou o império romano-germânico. E que podem ser uma metáfora para um dos destinos possíveis da UE

José Medeiros Ferreira (n. 1942) recebeu a Revista 2 na sua casa em Lisboa numa tarde fria mas cheia de Sol, à altura de um Verão de São Martinho. Acidentalmente, sentámo-nos frente a frente, separados por uma mesa pequena, como se fôssemos jogadores de xadrez. Talvez por causa dessa geografia, mas sobretudo por José Medeiros Ferreira ser um óptimo conversador, de discurso fluido e bem-humorado, a entrevista correu quase como um jogo de pingue-pongue, bola para lá, bola para cá. Em cima da mesa, estiveram basicamente Portugal e a integração europeia, das aberturas do passado aos medos de um xeque-mate, por conta do programa cautelar ou do temido resgate. De Portugal, diz que era preciso outro Governo, da Europa, que ou dá um salto em frente ou vai estagnar. O caminho não é sair do euro, mas ninguém sabe que voltas a Europa vai dar.
 
Entrevista a José Medeiros Ferreira por Miguel Gaspar (In) Público, a ler aqui

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

José Medeiros Ferreira em Ponta Delgada




Apresentação do livro NÃO HÁ MAPA COR-DE-ROSA de José Medeiros Ferreira
 6 FEV. / TEATRO MICAELENSE / 19H00

A obra será apresentada por Pilar Damião, Roberto Amaral e Vamberto Freitas.

Uma parceria Teatro Micaelense e Livraria SolMar.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Nos 25 anos de "Gente Feliz com Lágrimas"



Eis aqui o texto de apresentação de "Gente Feliz Com Lágrimas"ontem na Livraria SolMar. Trata-se da 23ª edição comemorativa dos 25 anos do romance.
__________

Nos vinte e cinco anos de Gente Feliz Com Lágrimas
"E onde descrevi a ruína e a sombra destas paredes, erguerei janelas que se abrirão para o sol da manhã".
João de Melo, Gente Feliz Com Lágrimas

Para a Adelaide, com uma lágrima de saudade
Vamberto Freitas
Quando da publicação da primeira edição, em 1988, de Gente Feliz Com Lágrimas eu residia algures no sul da Califórnia, tinha uma vida estável e satisfatória em tudo que nos traz a felicidade possível, resumia os meus dias a dar aulas e a escrever para o Diário de Notícias. Tinha começado a escrever sistematicamente sobre as literaturas norte-americana e açoriana para o suplemento então chamado simplesmente Cultura do diário lisboeta, o que me obrigava a estar atento ao melhor que no nosso país se ia publicando com os Açores como referência principal. Nas mais improváveis situações de vida, os livros também se podem tornar parte íntima de nós, quer por amizade ao seu autor quer por acontecimentos nas nossas vidas, que, sem sabermos ou suspeitarmos, nos continham a nós próprios nas suas páginas em representações que mesmo em sucessivas leituras nos parecem naturalmente distantes dos nossos próprios percursos, os mundos reinventados de outros, a ficção como acto artístico que nos poderá falar directamente, mas deverá permanecer sempre exclusivamente como referência identitária só na nossa capacidade intelectual de sentirmos a pertença a uma comunidade agora tornada imaginária, da qual já nos havíamos desligado ou dela nunca havíamos feito parte geograficamente, restando só a memória de uma cidadania quase só sentimental. Com este romance de João de Melo tudo se transformaria, a minha aproximação ao texto, por assim dizer, viria a ser desusada, tomaria contornos demasiado pessoais e emotivos.
Conheci João de Melo pela primeira vez num dos Encontros de Escritores Açorianos, aqui em São Miguel, e no ano que Gente Feliz Com Lágrimas era publicado e já então largamente comentado e premiado. Nunca sobre ele tinha escrito uma palavra, pois como eu diria dali a pouco num ensaio do Diário de Notícias, a sua escrita intimidava-me como poucas, particularmente a de O Meu Mundo Não É Deste, o antecessor do romance hoje em foco. Só que nesse mesmo Solar de Lalém da Maia, eu conheceria alguém que derrubaria esta e outras barreiras literárias em mim, tal como eu derrubaria as dela – uma mulher que então se chamava Adelaide Batista, e hoje chama-se Adelaide Freitas. O meu regresso a casa, como já disse noutra parte, iniciar-se-ia em breve. Mais do que isso, Adelaide tinha sido vizinha e amiga de João de Melo na Achadinha, que viraria Rozário em muita da obra deste autor. Doutorada em Literatura Norte-Americana, Adelaide estava já virada também para a Literatura Açoriana contemporânea, e dentro desta muito afincadamente para a obra do seu conterrâneo e vizinho, que eventualmente resultaria no primeiro livro de ensaios sobre a obra do autor de Gente Feliz Com Lágrimas, intitulado precisamente João de Melo e a Literatura Açoriana, publicado pela editora D. Quixote, em 1993. Estávamos ainda numa época em que nomear assim a nossa literatura mais parecia ante muitos outros uma espécie de criminalidade literária e cultural, o que não inquietava ou comovia a Adelaide minimamente. Seria ela, quando nos conhecemos na Maia e em pouco iniciávamos uma rica e intelectualmente frutífera vida em comum, que preencheu por completo os meus dias em tudo, a literatura dos nossos afectos uma constante na nossa casa, a escrita e a conversa imparáveis sobre os nossos projectos, com João de Melo e toda a sua obra até àquela data figurando num centro especial para nós os dois. Eventualmente eu escreveria vários ensaios sobre o autor nosso amigo, mas ela escreveu muito mais e melhor, como já aqui referi. Só mais uma palavra sobre a Adelaide no que se refere à obra de João de Melo – foi ela que colocou O Meu Mundo Não É Deste Reino nas mãos do seu antigo professor na City University of New York, e seu grande amigo até hoje, Gregory Rabassa. Não vou repetir aqui o que o grande mestre da tradução nos Estados Unidos diria sobre o romance numa carta que depressa nos enviava, basta relembrar que My World Is Not Of This Kingdom seria mais tarde publicado naquele país, e objecto de apreciações várias.
"O valor da obra de João de Melo – diria ela no extenso ensaio intitulado 'A Miticidade em João de Melo' e incluído no seu já mencionado livro – deriva da riqueza do seu potencial significativo. Ela não vale pelo que diz mas pelo encerra; não tanto pelo que revela mas pelo que potencializa, constituindo um sistema autopotencializado, cuja ontologia encontra expressão numa linguagem mítica. Uma linguagem dialógica, de tensão interna, para a qual concorrem as vozes e o estilo, o discurso, as disjunções subtis do tempo e do espaço, as personagens, o ponto de vista, etc., tudo num jogo livre de aproximação e rejeição, com vista à dramatização entre um número variado de sentidos opostos: o indivíduo e a sociedade, o homem e a natureza, o interior e o exterior, o passado e o futuro, e todas as oposições existenciais nos seus diversos códigos analógicos. Nesta dinâmica se movem todas as placas giratórias, garante fundamental da força e organicidade textual e narrativa, que dá suporte a uma miticidade que, clarificando a cultura, a prepara para o seu desenvolvimento e para outras manifestações. Trata-se, com efeito, de um verdadeiro hino à esperança, à tenacidade e sobrevivência de um povo, que é dos Açores como de outro qualquer lugar do mundo".
A longa citação foi deliberada, pois eu queria que a Adelaide falasse aqui comigo -- foi ela que, repito, mais e melhor do que ninguém escreveu sobre João de Melo, muito antes de virar moda em certas universidades ou publicações. Nestes vinte e cinco anos de Gente Feliz Com Lágrimas muitas outras lágrimas já escorreram, mas o "hino à esperança" de que falava a autora de Sorriso Por Dentro Da Noite, mantém-se – tem de se manter. A "realidade" transfigurada em Gente Feliz Com Lágrimas parecia-nos uma estória de um tempo ido, a memória, sempre, da miséria e do desespero do povo português, aqui e em todo o país, da nossa procura incessante da nossa própria regeneração e salvação, rumo a novos mundos mais abertos, que não o que nos haviam legado desde a fundação da pátria. A esperança, uma vez mais, permanece – mas Gente Feliz Com Lágrimas torna-se agora um clássico actualizadíssimo, como aliás são todos os clássicos. Não estamos nos anos 60, mas estamos de novo nas mesmas ausências e desespero – famílias com fome, jovens desesperados por um futuro que de novo lhes é negado, um sistema político de todo insensível, frio e protector exclusivamente de uma outra elite que, tal como nesse passado ainda da nossa memória magoada, parece tratar de si e só de si, e ainda volta a prescrever descaradamente o remédio português de sempre – emigrem, literalmente dito por alguns deles, "abandonem a zona de conforto" rumo a outra Europa, ou ao Novo Mundo. A grande ficção nunca tem de ser justificada pela chamada "realidade", no seu melhor é uma tirada artística, um "retrato" de um lugar e de um tempo. No nosso caso, desgraçadamente, é sempre esse lugar e esse tempo que reconfirmam a nossa arte literária, desde há séculos, numa perversão de todas as nossas vontades e sonhos. Gente Feliz Com Lágrimas é uma grande obra de arte, não precisava de nada disto, só da nossa memória e capacidade imaginativa, do nosso gosto pelas, e apreciação das suas linguagens simultaneamente de beleza pura e, sim, dureza realista. "tudo para o ilhéu – citava ainda a Adelaide Vitorino Nemésio noutro texto – se resume em longitude e apartamento. A solidão é o âmago do que está separado e distante".
O que me leva aqui a outra afirmação sobre Gente Feliz Com Lágrimas – trata-se também, para mim sem qualquer dúvida, do primeiro grande romance de um escritor português e açoriano sobre a nossa imigração na América do Norte. Por certo que antes de João de Melo já existiam os escritores imigrados e luso-descendentes nos EUA, mas falo de um escritor que teve a capacidade e sensibilidade literária e intelectual de olhar e de facto ver o que nos acontecia num grande país a norte naquele continente, o Canadá, essa outra pátria nossa a partir de meados do século passado. Houve sempre a tentação, até há bem poucos anos, e quebrada por Álamo Oliveira quando publica o seu Já Não Gosto de Chocolates e Vasco Pereira da Costa com a poesia de My Californian Friends, por parte dos nossos escritores açorianos residentes de olhar para os nossos imigrantes através de uma espécie de atrevimento desumanizante. Não tinham vida interior, pouco mais sabiam do que a sua linguagem despedaçada. Com João de Melo passamos dessa unidimensionalidade para seres humanos reinventados em toda a sua complexidade e, sim, inteligência. Tudo isto faz parte da grandeza de Gente Feliz Com Lágrimas.
____________
João de Melo, Gente Feliz Com Lágrimas (23ª edição), Lisboa, D. Quixote, 2013.






 

domingo, 19 de janeiro de 2014

O João de Melo, O Grande Manifesto


JOÃO DE MELO, O GRANDE MANIFESTO
"Um romance monumental – eis aquilo de que se trata. Do título à nota com que encerra, e mesmo se nem sempre é fácil encontrar-lhe a melodia. Ou precisamente por causa disso. Narrativa polifónica, feita de fragmentos e memórias descontínuas, a cada instante determinada a somar centros de consciência, “Gente Feliz Com Lágrimas” mantém as costuras à vista, e talvez seja essa a sua suprema virtude."
Joel Neto, em  http://www.joelneto.com/373318.html.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Indispensável "Não Há Mapa Cor-de-Rosa"

                                                     Fotografia de Tiago Miranda



Não Há Mapa Cor-de-Rosa

“Paulo Portas não inventou a “diplomacia económica”. O livro de Medeiros Ferreira (que saiu há pouco tempo) demonstra límpida e seguramente que, desde meados do século XVIII, Portugal sempre teve uma diplomacia de “natureza material e financeira”. Por uma razão simples: porque “a taxa de poupança interna foi sempre insuficiente” para “dar resposta” às necessidades da sociedade portuguesa. No século XX, por exemplo, isso aconteceu “desde o convénio com os credores externos de 1902” (e dos “suprimentos do Banco de Inglaterra entre 1916 -1918”) à “disputa pelas reparações [...] na Conferência de Paz de 1919”; e por aí fora até à estratégia com os beligerantes de 1939 a 1945. A “ideia” nunca deixou de ser “a captação de capital no exterior” para substituir o que não existia cá.”  Ler aqui http://www.publico.pt/portugal/noticia/nao-ha-mapa-corderosa-1619179
Vasco Pulido Valente (in) Público


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Alimento




“Preciso das outras artes, como de pão. Alimento-me delas e tenho uma enorme gratidão em relação aos criadores. Comove e inspira-me o modo como vejo as pessoas a fazer cinema, a pintar ou a compor. É um testemunho, uma celebração da própria vida, uma forma de resistir à morte.”

José Tolentino Mendonça (In) JL.


O Melhor de Poesia de 2013


                                                Fotografia do espólio de Alberto Lacerda


até cada objecto se encher de luz e ser apanhado
por todos os lados hábeis, e ser ímpar,
ser escolhido,
e lampejando do ar à volta,
na ordem do mundo aquela fracção real dos dedos juntos
como para escrever cada palavra:
pegar ao alto numa coisa em estado de milagre: seja:...
um copo de água,
tudo pronto para que a luz estremeça:
o terror da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima
tão súbito e implacável na vida administrativa

Herberto Helder, in «Servidões», Assírio & Alvim, 2013.
 


domingo, 5 de janeiro de 2014

Eusébio ( 1942-2014 )





Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão...
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática...
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro e sua matemática
Buscava o golo mais que golo – só palavra
Abstracção ponto no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema.

Manuel Alegre

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Alfabetos

                                                                     Claudio Magris

 
«O mar é interessante porque é essencialmente duas coisas. Há o mar como grande prova, o mar de Conrad, de Stevenson, o mar da tempestade, o dos grandes capitães de Conrad como símbolos da luta e da lealdade. Como grande amante da literatura de aventuras isso significa muito. Mas para mim o mar é outra coisa. É o mar da posição horizontal, não da luta para dominá-lo, mas ao contrário, para se abandonar. É o mar da felicidade. É por isso que o mar está indissoluvelmente ligado ao amor, a Eros. Para mim, era inconcebível o amor sem o mar. O mar está também na história da minha vida das paisagens do amor, isto é, desse grande abandono nos braços da vida. Sem luta. Nado muito mas isso não tem nada a ver com o desporto, não, é realmente abandonar-se em grandes braços amorosos.»

Claudio Magris, entrevista de  Ana Sousa Dias, Revista LER, dezembro 2013, a propósito da edição  portuguesa do seu livro  “Alfabetos”, lançado pela Quetzal.