segunda-feira, 31 de agosto de 2015

É Então Isto Um Livro



É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo ‘eu’ entre nós e nós?

Os Livros, Como se Desenha uma Casa de Manuel António Pina, Ed. Assírio Alvim.
Foto, Mary Ellen Bartley

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Cinema entre os anos de 1915 e 1940






No início da I Guerra Mundial, por volta de 1915, o cinema norte-americano predominava mundialmente, uma vez que a produção europeia foi praticamente parada pela Guerra. As produções aglomeravam-se em Los Angeles, na Califórnia, onde o clima e as luzes eram melhores e as leis de impostos menos restritivas. Assim, Hollywood torna-se sinónimo de filmes e nascem vários estúdios independentes, tais como os Warner Brothers, a MGM e a Fox. Consequentemente, aparece o fenómeno do estrelato e culto das estrelas de cinema. Charlie Chaplin é considerado a primeira verdadeira estrela da indústria cinematográfica, tendo conquistado o público com a sua personagem de “Tramp” ou “Charlot”, que encarnou pela primeira vez em Kid Auto Races at Venice (1914), e cujo sucesso fez com que o ator em poucos meses já realizasse os seus próprios filmes, como The Tramp (1915). Nesta altura, a duração dos filmes aumenta e, para financiá-los, são criadas “máquinas de publicidade”, como a Star System para criar estrelas de cinema perfeitas, e substitui-se os “nickelodeons” por grandes casas de espetáculo, os “Picture Palaces”, cada vez mais frequentadas pelas classes médias. Em 1918, em Portugal, é criada a Invicta-Film, no Porto, que foi a primeira tentativa de estabelecer em Portugal uma empresa produtora de filmes, mas foi abafada pelas produções americanas e terminou a 1925. Os anos 20 foram um período muito fértil para o cinema, principalmente em Hollywood, com a expansão dos grandes estúdios, como a Paramount e a Universal. Na Europa, foi na Alemanha que a cinematografia teve o seu renascimento no pós-guerra, destacando-se o expressionismo alemão, do qual é exemplo Der Lezte Mann (1924) e Nosferatu (1921). Na Rússia, Lenine deu apoios aos cineastas, mas os filmes russos vão ser censurados e a sua divulgação restringida pela ocidentalidade, devido ao seu conteúdo ideológico comunista, como Potemkine (1925). O ano de 1924 foi, particularmente, importante para França, pois surgiram os primeiros trabalhos de René Clair e Jean Renoir, dois célebres produtores franceses. Esta década, que marcou a História como “The Roaring Twenties”, ficou para o cinema como “The Laughing Twenties”, isto porque o género mais popular era a comédia, com Charlie Chaplin, Buster Keaton e Harold Lloyd. A transição para os “talkies”, ou seja, filmes com diálogo, aconteceu em meados de 1926/1927, com os Warner Brothers e a Fox na vanguarda.
O aparecimento dos filmes falados foi visto como um desenvolvimento desnecessário e efémero. Foi Jazz Singer (1927), dos Warner Brothers, que mudou as opiniões em relação aos sonoros, quando o público ouviu Al Jolson cantar, cuja personagem imortalizou a frase “You ain’t heard nothing yet”. Com isto, os estúdios norte-americanos começaram-se a atualizar com equipamentos de som, fazendo com que, em meados de 1929, quase todo Hollywood estivesse convertido aos “talkies”, dando início à chamada Era de Ouro de Hollywood. Apesar desta transição ter sido rápida, foi também difícil. Os primeiros sonoros eram muito estáticos e restringidos pelos novos instrumentos de som, tendo as câmaras de estar dentro de uma cabina à prova de som, impossibilitando a sua mobilidade, os atores eram obrigados a falar diretamente para microfones que estavam estrategicamente escondidos no cenário e o realizador já não podia dar instruções aos atores durante uma cena. Isto fez com que os filmes fossem versões estáticas de peças teatrais com diálogos longos, levando a que os críticos reclamassem o retorno do filme mudo. No entanto, essas dificuldades foram rapidamente ultrapassadas, utilizando a técnica de gravação das falas a priori e, depois, sincronizá-las com os movimentos labiais dos atores, e solucionou-se a imobilidade das câmaras, montando-se rodas na cabine de insonorização. É assim que aparece que aparece o género do musical, com The Broadway Melody (1929) nos EUA, e Sous les toits de Paris (1930) em França. A introdução do som provocou, simultaneamente, o nascimento e a morte de estrelas de cinema, que viram as suas carreiras arruinadas, muitas vezes pelo simples facto das suas vozes não corresponderem à imagem que o público já tinha delas. Os mais afetados foram os comediantes dos mudos, com a exceção de Chaplin que, apesar de ter recusado fazer filmes falados, continuou a ter sucesso. Em 1928, Walt Disney apresentou o primeiro “talkie” de animação, Steamboat Willie, e contribuiu para a acreditação do som com as suas Silly Simphonies. Os anos 20 viram, ainda, ser criada, por Louis B. Mayer da MGM, a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas, que ficou célebre pela cerimónia anual dos Prémios da Academia, ou seja, os Oscars. O drama Wings (1927), alusivo à I Guerra, foi o primeiro a ganhar o Oscar de melhor filme, em 1929. Em Inglaterra, o primeiro filme com diálogo foi Blackmail (1928) de Hitchcock, que teve de ser lançado também na versão muda, porque os cinemas europeus ainda não tinham investido em equipamentos de som. O decénio de 30 foi uma década de tumultos, com a Grande Depressão e o surgimento de ideologias fascistas por toda a Europa. Isto levou à popularidade de filmes de fantasia escapista, aventuras e terror, que faziam esquecer a crise. A Universal criou, com sucesso, o género de “Universal Horror”, filmes de monstros, tais como Dracula (1931), com Bela Lugosi, e Frankenstein (1931), com Boris Karloff, cujos sucessos levaram a sequelas ainda nesta década. Houve, também, uma grande aposta em filmes com valores familiares e que exaltavam as virtudes capitalistas, ao mesmo tempo que combatiam o comunismo. Ganham fama os filmes sobre “gangsters”, como Little Caesar (1931), mas duram pouco tempo devido a protestos públicos contra a violência, e os filmes de género “western”, dos quais se destaca Stagecoach (1935), que tornou John Wayne no símbolo máximo do “Far West”. Mae West tornou-se no sex symbol de Hollywood, aparecendo em filmes com diálogo picante e explícito, levando à criação do “Hay’s Code”, que foi uma tentativa de censura aos filmes de Hollywood, para evitar escândalos.  
O ano de 1939 foi um dos mais lucrativos para o cinema americano, graças a êxitos como Wuthering Heights, Gone with the Wind e The Wizard of Oz, sendo estes dois últimos exemplos máximos dos avanços técnicos do uso da cor, com a “Technicolor”.  No período que antecede a II Guerra Mundial, as mais famosas criações eram as de Walt Disney, sendo o Rato Mickey considerado o herói da Depressão. Disney foi aclamado pelo seu inovador uso da cor e do som, começando a produzir filmes de animação, tal como Snow White and the Seven Dwarves (1937), cujo sucesso catalisou o surgimento de Pinnochio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941) e Bambi (1942). Enquanto o cinema prosperava em Hollywood, os totalitarismos alastravam-se pela Europa, reprimindo toda a liberdade artística e intelectual, incluindo o cinema. Na Alemanha, quando Hitler chegou ao poder, Goebbels, ministro da propaganda nazi, controlou a sétima arte para difundir propaganda do regime, destacando-se o documentário Triumph des Willens (1935), de Leni Riefenstahl. Em Portugal, nos anos 30, aparece Manoel de Oliveira, com o seu primeiro filme Douro, Faina Fluvial (1931), que foi vaiado pelo público nas suas primeiras exibições nacionais, mas muito elogiado em França, acabando por ser considerado uma obra-prima. O cinema falado chega a Portugal em 1931, com A Severa e filmes como A Canção de Lisboa (1933), com Beatriz Costa, e Aldeia da Roupa Branca (1938). Em Inglaterra, foi difícil competir com a proeminência de Hollywood, tendo sido feita uma lei que obrigava qualquer distribuidor a ter sempre um determinado número de filmes britânicos, levando às chamadas “quota quickies”, filmes feitos à pressa para preencher a quota. No entanto, The Private Life of Henry VIII (1933) tornou-se no primeiro êxito mundial britânico, induzindo a uma tentativa de um Hollywood Britânico, “Hollywood on the Thames”, que falhou, pois todos os grandes artistas ingleses, como Hitchcock, partiam para Hollywood, e porque, devido ao London Blitz, os bombardeamentos aéreos a Londres na II Guerra, os cinemas foram fechados. Esses encerramentos duraram pouco tempo e os cinemas abriram com muitos filmes que propagavam a resistência inglesa na guerra, como Target fot Tonight (1941) e Fires Were Started (1943). Em princípios da II Guerra Mundial, os filmes vão ter um caráter mais realista, sendo populares os documentários, que revelavam ao público os horrores da guerra e, ao mesmo tempo, elevavam a causa Aliada, tais como Our Russian Front (1942) e Battle of San Pietro (1945). 
 Os cinemas estavam submissos aos governos, que apoiavam filmes que mostrassem os esforços do país na guerra e ajudassem com a perda de familiares. Em Inglaterra, surgem filmes que ensinavam a reconhecer espiões alemães, como esconder informação de inimigos e como ajudar soldados, sendo exemplo disto Confessions of a Nazi Spy (1939) de Hitchcock. O envolvimento dos EUA proporcionou uma proliferação de filmes de propaganda patriótica e antinazi, como The Story of G.I. Joe (1945). O filme mais aclamado do período de guerra foi Casablanca (1942), dos Warner Brothers, juntamente com The Great Dictator (1940) de Chaplin, que falou pela primeira vez em filme. 


Trabalho realizado por Daniela Medeiros, 
no âmbito da cadeira de História dos Media do curso CSC da Universidade dos Açores


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Mata - Jardim José Do Canto – Lagoa Das Furnas - São Miguel, Açores


«É perto das Furnas, e junto a um lago encantador, que está situada uma das melhores propriedades do Sr. José do Canto, que, apesar de não estar na Ilha, ainda assim empregou todos os meios para que esta nossa visita nos fosse tão agradável como instrutiva. É imensa esta propriedade, quase toda montanhosa. Dois dias nos foram necessários para podermos percorrer-lhes os pontos principais».
Goeze, E.

Em 1866, o botânico alemão Edmund Goeze visitou a Mata-Jardim José do Canto que por esta altura era o maior campo de habituação de espécies exóticas em S. Miguel, ocupando uma área de aproximadamente 600 ha. Após o desaparecimento do seu fundador a propriedade foi repartida pelos herdeiros, ficando a Mata-Jardim a cobrir uma área de 120 ha, sendo que 10 da mesma diz respeito à secção ajardinada.
A Mata-Jardim foi «desenhada e plantada nos meados do séc. XIX, segundo o plano dos paisagistas franceses Barillet-Deschamps e George Aumont. Deste traçado percebem-se (…) a Capela de Nossa Senhora das Vitórias, edificada entre 1877 e 1888, onde estão sepultados José do Canto e sua mulher Maria Guilhermina». (Albergaria, 2005:107-109).
Esta unidade paisagística, que começou a ser plantada em 1858, está aberta ao público desde 2014 e proporciona aos adeptos de jardins e de flora a visualização de uma coleção de camélias bem como de árvores indígenas oriundas de regiões temperadas e subtropicais, das quais destacamos a nogueira-do-Cáucaso (pterocarya fraxinifolia), a azinheira (quercus rotundifolia), palmeiras da China, Austrália e Nova Zelândia, rododendros dos Himalaias, eucaliptos, loureiros indígenas dos Açores, macieiras, camélias oriundas da Ásia, entre outros.
No Vale dos Fetos, criado em meados do séc. XX por Ernesto Hintze Ribeiro, os visitantes podem observar fetos provenientes da Austrália e Nova Zelândia (cyathea australis, cyathea cooperi, cyathea medularis), palmeiras (tais como rhopalostylis sapida, da Nova Zelândia ou a phoenix canariensis proveniente das Canárias).
A 2 km do Vale dos Fetos localiza-se a cascata do Salto do Rosal, com esculturas talhadas em rocha vulcânica.

Referências Bibliográficas:
ALBERGARIA, I.S. (2005) – Parques e Jardins dos Açores. Argumentum, Lisboa.
GOEZE, E. (1867) – A Ilha de S. Miguel e o Jardim Botânico de Coimbra. Imprensa da Universidade, Coimbra.
QUINTAL, Raimundo (2015), Mata-Jardim José do Canto, Lagoa das Furnas – S.Miguel, Açores. Revista Jardins, julho/ agosto 2015, pp. 28 – 30.



Texto de Hugo Câmara ( Aluno do 1º Ano do Curso de CSC (2014/2015)  da Universidade dos Açores) 

Biblioteca Joanina Orgulha-se de Proteger o Seu Bem Mais Precioso: O LIVRO



A Biblioteca Joanina, que maravilha qualquer turista que por lá passe, surpreende por ser ainda “uma biblioteca viva”, querendo isto dizer que as obras que embelezam as vastas estantes não são apenas ornamentos, mas podem ainda ser requisitadas, ou seja, longe de ser um museu, a Biblioteca Joanina é um espaço vivo.
Para que isto seja possível, a Biblioteca Joanina tem como principal preocupação o bom estado dos livros, desenvolvendo continuamente a sua manutenção e restauração. A restauração está a cargo de Elsa Girão, a única técnica de restaura da instituição, que tem como funções a conservação, higienização e hidratação dos livros, de forma a evitar a sua degradação. O restauro de um livro pode custar entre os 500€ aos 5000€, dependendo da situação. Os casos de reparação mais complicados não são feitos em Coimbra, mas sim enviados para a Lisboa, para serem recuperados na Biblioteca Nacional ou no Arquivo da Torre do Tombo. São enviados cerca de 10 a 15 livros por ano, apesar de haver a necessidade de enviar mais, faltam os meios monetários. Os apoios financeiros para os restauros são na sua maioria apoios mecenáticos e doações que chegam através do projeto SOS Livro Antigo. José Augusto Bernardes, diretor da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, solicita mais auxílio para a conservação e restauro das obras, referindo que até livros novos precisam de reparações se forem muito requisitados, e essas situações ficam muitas vezes postas de parte por haver uma maior preocupação e ser dada prioridade aos livros mais antigos, uma vez que há que ter uma contenção de gastos.
Uma interessante particularidade da Biblioteca Joanina é sem dúvida a colónia de morcegos que lá habita e protege os livros dos insetos bibliófilos desde o início da biblioteca, sendo uma importante arma da preservação das obras que como contrapartida requer apenas que as mesas da biblioteca sejam todas as noites cobertas por peles, de forma a serem protegidas dos dejetos dos morcegos. Esta peculiar forma de conservação dos livros não deixa de impressionar quem por lá passa.
Outros riscos para os livros, para além dos insetos, são os incêndios, as inundações, a humidade, as mudanças de temperatura e o manuseio.
A Biblioteca Joanina, que recebeu este nome por ter sido mandada erguer por D. João V, é um anexo da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, declarada Património Mundial pela UNESCO em 2013, é a mais rica biblioteca universitária do mundo, com um total de 2 milhões de livros, incluindo cerca de 55 mil obras publicadas entre o século XII e 1801, estando a maioria em latim.
A casa dourada, como também é conhecida, tem o privilégio de ter na sua coleção raridades como a primeira edição de “Os Lusíadas” e a “Bíblia Hebraica de Abravanel”, da qual só existem 20 exemplares no mundo inteiro.
 
Texto de Daniela Medeiros ( Aluna do 1º Ano do Curso CSC (2014/2015) da Universidade dos Açores)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS - 150 anos da publicação


 
Comemora-se este ano 150 anos da publicação de “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll. A obra foi escrita com o intuito de entreter uma menina chamada Alice Liddell.
           “Alice no País das Maravilhas” publicado pela primeira vez em 1865 na Inglaterra é considerado um livro intemporal no mundo inteiro, ambíguo na sua classificação pois está entre o que é literatura para crianças e para adultos.
Ao longo dos anos esta obra foi alvo de várias adaptações, traduções, versões e ilustrações, e em Portugal não foi diferente, pois foram disponibilizadas várias edições. É relevante mencionar que a obra foi adaptada para cinema para musicais e para peças de teatro.
A importância deste livro é de tal modo que existem indivíduos que reconhecem as personagens sem o nunca ter lido.
       Em Portugal, a Editorial Presença associou-se às atividades em torno dos 150 anos de publicação, reeditando numa bela edição ilustrada com o aliciante preço de 9,90€ .
 
 
Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido como Lewis Carroll, nasceu em Inglaterra, em 1832, foi matemático, lógico, fotógrafo e romancista, sendo reconhecido como tal após o seu sucesso com “Alice no País das Maravilhas” e faleceu em 1898.

125 ANOS DE AGATHA CHRISTIE - O REGRESSO DE HERCULE POIROT




Comemorando o 125º aniversário do nascimento de Agatha Christie, escritora britânica, considerada a “rainha dos policiais”, a editora ASA celebrando a efemérite, acaba de editar um romance inédito, “Hercule Poirot e o Crime de Greenshore”. Este possui introduções e ilustrações de Tom Adams, cujas pinturas figuraram nas capas dos romances de Agatha Christie ao longo das décadas de 1960 e 1970. Mathew Prichard, neto de Christie, assina o prefácio. John Curran, perito na obra da autora, escreve no posfácio sobre a criação desta aventura.

                A convite da sua velha amiga Ariadne Oliver, Hercule Poirot vai a uma festa de verão numa aldeia encantadora do Devon. Um cenário idílico onde contavam descansar e divertir-se. Ariadne inventara até um jogo de Caça ao Assassino para animar os convivas, mas não antecipara sentir-se tão… atormentada. A sua intuição diz-lhe que algo está terrivelmente errado. E, como o magnífico detetive belga bem sabe, a intuição feminina é algo que nunca se deve menosprezar… Em 1954, Agatha Christie escreveu Hercule Poirot e o Crime de Greenshore sob o formato de conto. O objetivo era angariar fundos para a igreja da sua paróquia. Contudo, a Rainha do Crime mudou de ideias e transformou-o num romance, doando, em seu lugar, um conto de Miss Marple. Hercule Poirot e o Crime de Greenshore acabaria por não ser publicado na sua forma original, servindo apenas de base para o enredo do romance Jogo Macabro. Permaneceu “adormecido” durante sessenta anos, até agora.

Agatha Christie nasceu em Torquay, Reino Unido, em 1890, e é considerada a romancista com mais livros vendidos em todo o mundo. As diversas traduções da sua obra já ultrapassaram as de Shakespeare. O seu sucesso incessante, reforçado pelas adaptações televisivas e cinematográficas das suas obras, é prova da intemporalidade das suas personagens, bem como do engenho inigualável dos seus enredos.

                                                                                                    

Agatha Christie, Hercule Poirot e o Crime de Greenshore, Edições ASA, 2015.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Ela move-se




«POEMAS VESTIDOS – A poesia veste-se, despe-se, usa-se, oferece-se, respira-se. A poesia pode não mudar o mundo, mas é um sinal de esperança. O Daniel Gonçalves, poeta maior, escreveu “ Poemas vestidos” porque, como me escreveu numa dedicatória, “ o momento certo para a poesia é como o do abraço”, depois do nosso encontro improvável, uma arte em que os açorianos e a aves migratórias se tornaram especialistas. O Daniel é o poeta do amor indizível, da saudade imaculada, da distância que magoa. O amor, tal como a terra, move-se numa órbita invisível. As coisas, os lugares, as mãos, vestem-se duma doçura que sabe a redenção ou a perdição. Quando os garajaus rondarem as marés, nas longas noites de Verão, é tempo de desafiar os versos do Daniel, lentamente, como quem abre um portulano e sabe que esperar não é perder.»

  Pedro Gomes (in) Açoriano Oriental, 22 de julho, 2015



                Daniel da Silva Gonçalves é professor e poeta. O escritor foi galardoado com vários prémios entre os quais o 1º prémio do Concurso Internacional de Poesia do Centro Internazionale Amici Scuola (CIAS) promovido pela UNESCO em 1993 na Itália; em 2007, foi galardoado com o prémio Labjovem Açores, obra selecionada para o Plano Regional de Leitura dos Açores e o Prémio de Manuel Alegre em 2010.




terça-feira, 21 de julho de 2015

Os livros são comparáveis a seres vivos





“Os livros são comparáveis a seres vivos, a pessoas amadas,
permanecendo ligados às circunstâncias do encontro
e às emoções que suscitam.”
Marcel Proust


 
A invenção do livro está intimamente ligada á escrita e á leitura. Aquilo que está impresso tem uma dimensão cultural inultrapassável, dirigindo-se a um leitor, possuindo como finalidades: o conhecimento, a reflexão, o ensino, a evasão, a difusão do pensamento e a preservação da memória coletiva. O livro é um dos grandes meios da história da comunicação. Desde o séc XV, com a prensa de Johannes Gutenberg, até aos nossos dias, assiste-se a uma expansão a nível mundial, num aumento de quantidade de obras publicadas, numa maior distribuição, de tal modo que este passa a estar presente no nosso quotidiano.

Em finais do séc. XX, na década de 90, a internet alcança a população em geral, através do World Wilde Web, tendo como seu mentor Tim Bernners. Lee. Surgem grandes mudanças, que na forma como a informação é transmitida, que na alteração em quase todas as áreas do nosso modo de vida. É aqui que nasce o e-book, ou seja, o livro em suporte eletrónico, a par de um admirável mundo novo- a Era do Digital. Ganhando cada vez mais força na sociedade contemporânea, esta é a revolução digital do próprio livro. A questão que se coloca é se o livro tradicional, e a sua existência enquanto tal, estarão ameaçados pelo e-book? Para isso, temos de perceber quais as valências de um e de outro. No caso do livro digital, este será sempre uma cópia do seu antecessor, tem grafia e páginas semelhantes às do livro impresso, mas numa sociedade de imagens, eis que o computador nos fixa na obrigatoriedade de ler. No digital o acesso é mais rápido, a sua capacidade de armazenamento é maior, ocupando muito pouco espaço, por exemplo: como consultar os 35 volumes e 71.818 artigos, da Encyclopédie de Denis Diderot? A resposta é: online. Umberto Eco, distingue dois tipos de livros, aqueles de consulta e aqueles de ler. Reconhecemos, então, que há outras possibilidades de relação com o livro, combinando acessibilidades múltiplas e que os modos de leitura têm-se alterado ao longo da história.

Hoje, tudo é digital, tudo é móvel, a procura de e-books aumentou exponencialmente, principalmente nos EUA e Inglaterra, alastrando-se para o resto do mundo, bem como, o aumento e oferta de novos aparelhos, tais como: portáteis, smartphones e tablets. O avanço tecnológico é vertiginoso, o que foi ontem, já não o é hoje. As questões ambientais que se aponta ao livro tradicional, como o gasto de papel e tinta, são tão pertinentes como a gestão de resíduos dos equipamentos, e do consumo energético de que estes necessitam para funcionar. Significa que, para o leitor, será sempre necessário energia elétrica para manter esses aparelhos operacionais. Ao adquirir novos equipamentos obriga-nos a toda uma mudança arquitetónica mental, até à habituação do sofisticado grito tecnológico. A nossa capacidade de leitura no ecrã, é bem mais reduzida, devido às nossas limitações físicas. Num estudo levado a cabo pela Universidade da Harvard, provou-se que o e-book interfere no sono, principalmente naqueles que leem na cama, a luz emitida pelos dispositivos incomoda e não ajuda. Neste mundo da Internet os focos de distração são muitos, com um clique podemos aceder a links, a ler uma notícia de última hora ou até mesmo a ver a página do facebook. No livro impresso isso já não acontece, ele é encerrado em si mesmo e é fiel a si próprio. Umberto Eco e Jean- Calude Carrière, na obra Obsessão de Fogo dizem-nos o seguinte «O livro é como uma colher (…). Uma vez inventados, não se pode fazer melhor. Não se pode fazer uma colher que seja melhor que uma colher.»

O livro tradicional tem uma dimensão sensorial, emocional e afetiva únicas. Podemos estabelecer uma relação física através do toque das capas, da textura do papel, do cheiro, da tinta, numa experiência singular e individual. São potencialmente eternos desde que bem conservados, são resistentes ao choque, embora possam cair e danificar-se, não impossibilita a leitura. Ir a uma biblioteca, autênticos templos do livro, onde o acesso é gratuito na consulta, sendo permitido o empréstimo, ou ir a uma livraria, agarrar, ler alguns parágrafos antes de comprar, é sem dúvida o reflexo das múltiplas possibilidades que o livro oferece.

Roger Chartier, numa entrevista intitulada Da história da Cultura Impressa à História cultural do Impresso sugere que o livro impresso deveria copiar as mais-valias da técnica eletrónica, permitindo ao leitor escrever nas margens, como dentro do próprio texto, para que este torne mais maleável. Aqui levanta-se o problema dos direitos de autor, e neste caso estaríamos a ser coautores.

Os livros representam um negócio importante e sempre o foram desde a Idade Média. Contudo, depara-se na atualidade com dois graves problemas. O primeiro está relacionado com o fator económico, o elevado custo de produção do livro físico, tendo em conta a impressão, a distribuição e o seu comércio, em comparação com o e-book, que apresenta resultados de rentabilidade mais elevados para os editores, ao eliminarem os intermediários através da venda direta online. O segundo problema, é a importante defesa dos direitos de autor, pois não estão criadas condições nas plataformas digitais de proteção contra a cópia indevida.

Podemos afirmar que o livro é um resistente, pois sobrevive desde o séc. XV, até aos dias de hoje, bem ao contrário, a internet ainda é jovem. Neste espaço, e neste tempo, anunciou-se a morte do livro, mas a realidade tem vindo a mostrar o contrário. Segundo o Financial Times, contrariando todas a expetativas, as vendas do livros em papel sofreram um aumento em 2014, no mercado livreiro dos EUA, Reino Unido e Austrália, enquanto as publicações em dispositivos eletrónicos diminuíram. Este novo paradigma tem tendência a manter-se, segundo os especialistas, o incremento da compra do livro impresso tem sido fortemente influenciado por um público mais jovem – muito curioso é que os jovens leitores acreditam que a informação verdadeira está fora da Internet. A venda de títulos como A Culpa É das Estrelas, de John Green ou a saga Crepúsculo de Stephenie Meyer, está no topo das preferências dos jovens adolescentes entre os 13 e 17 anos.

Concluindo, podemos afirmar que o perigo efetivo para o livro, quer em suporte digital, quer em papel, será sempre a falta de hábitos de leitura.