
Ainda bem que a suposta leitura de um livro serve para impressionar o interlocutor.
“ Pode-se estar toda vestida de cetim branco com rosas no cabelo e longe como tudo das canas de açúcar e mesmo assim sentir que se está a trabalhar numa plantação.
De qualquer maneira os músicos brancos andavam a swingar pela rua 52 de uma ponta à outra, mas as únicas caras pretas que por lá havia eram Teddy Wilson e eu. Teddy tocava piano nos intervalos no Famous Door e eu cantava. Não havia apanha de algodão entre o Leon and Eddie,s e o East River, mas parecia mesmo que estávamos numa plantação. E éramos obrigados não só a ver isso tudo, mas também a viver com isso. Assim que acabávamos de fazer o nosso número, nos intervalos, tínhamos que sair pelas traseiras e ficar sentados na rua.”
Lady Sings The Blues, Billie Holiday, Ed. Antígona
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O lançamento da primeira edição deste livro no verão de 56, causou certa polémica. As críticas estranharam várias passagens, como as de prostituta na adolescência, as descrições da sua personalidade e da sua mãe, no entanto este livro contribuiu para um aumento na frequência dos concertos e na venda de dos discos. Lady Sings the Blues, é pois uma metáfora feliz a anunciar um rol de tristezas contadas por uma senhora cantora. Billie Holiday, conta 41 dos 44 anos que viveu, numa linguagem crua, simples com muito calão, a vida que levou com aquela cor de pele, clara para os pretos, escura para os brancos. Mas os testemunhos legados pela cantora, fundamentais para entender o jazz, a sua discografia é a melhor amostra de como um solista usa e recria um tema, com tremenda intensidade e personalidade, num estilo muito expressivo e amargo, que tal como o livro roça muitas vezes o trágico.
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“Foi há muitos anos, ainda Billie estava viva, mas não me esqueço da reacção do locutor da Rádio Renascença quando uma noite metemos no ar um disco dela:
«Está na rotação errada!», disse-me aflito.
«É assim mesmo!», disse-lhe discretamente.”
José Duarte
Excerto do filme de 1954, Quando o Mar Galgou a Terra: Realização: - Henrique Campos. Produção: - Filmes Albuquerque. Argumento: - Armando Cortes Rodrigues. Obra Original: - "Quando o Mar Galgou a Terra". Autor Original: - Armando Cortes Rodrigues. Adaptação: - Henrique Campos. Fotografia: - João Moreira.Elenco: - Mariana Villar, Fernando Curado Ribeiro, Alves da Costa, Brunilde Júdice, Paulo Renato.Realizador motivado pela paisagem, Henrique Campos rodou Quando o Mar Galgou a Terra no arquipélago dos Açores, com incidência para as Furnas, em São Miguel. Em causa, a obra de Armando Cortes Rodrigues - “o drama duma rapariga na defesa da sua honra”, esmaltado pelo “amor dos pobres à terra e ao trabalho”. Assim expunha publicitariamente a produtora Filmes Albuquerque. Não ficaram de fora os testemunhos documentais, com realce para a Procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres.Bravura, exaltação. O mar, a terra; um homem e uma mulher. Campos logra uma dimensão épica instilada no conflito regional - cujo simbolismo esbate, no entanto, quer a conflitualidade inerente à estrutura comunitária, quer a espectacular imponência configurada pela Ilha Verde. Victor Bonjour elaborou o fundo musical, com excertos - caso raro no cinema português da época - de R. Wagner e A. Tchaikovski. O Grupo Coral do Colégio de São Francisco Xavier (Ponta Delgada) entoou as melodias religiosas; com intervenção instrumental por Francisco Sabino, Bento Lima; e cantares folclóricos de Carreiro da Costa e António de Aguiar. A crítica foi condescendente para este modesto sucesso popular.
Fonte: Cinema Português
Umberto Eco numa entrevista ao jornal brasileiro “Estado de São Paulo”, a quando da publicação no brasil do livro, “Não Contem com o Fim do Livro”, com edição portuguesa da editora Difel, com o título “ A Obsessão do Fogo”, uma homenagem sorridente à galáxia Gutenberg. O livro em que o académico italiano Umberto Eco, aceita o convite do colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para discutir com ele e com o argumentista Jean-Claude Carrière, se vamos ou não acabar com os livros. Estas conversas encantarão todos os leitores e apaixonados do objecto livro. E não é impossível que alimentem também a nostalgia dos possuidores de e-books.
Regressos, reencontros
Ouves a voz dessa mulher
nos dias que sobram de Setembro:
um rumor solar de asas
vindo de longe
como quem atravessou a harmonia inteira
do mundo
Ouves essa voz vibrando na manhã
e tudo em ti é regresso e onda:
os araçás da infância, os figos,
as sementes onde a vida espera a Primavera,
uma mulher cantando no balcão sobre o mar,
uma ilha defronte
Onde for o lugar de tudo isto e a memória
desse lugar,
ai encontrarás a raiz exacta
das palavras,
a seiva
de que a vida sustenta.
(in) Lugares Sombras Afectos
“Pousei-te as mãos nos ombros fracos. Toda a força te esmorecera nos braços, na pele ainda pele viva. E menti-te. Disse aquilo em que não acreditava. Ao olhar amarelo, ofegante, disse que tudo serias e seríamos de novo. E menti-te. Disse vamos voltar para casa, pai; vamos que eu guio a carrinha, pai; só enquanto não puder, pai; vá, agora está fraco mas depois, pai, depois, pai. Menti-te. E tu, sincero, a dizeres apenas um olhar suplicante, um olhar para eu nunca mais esquecer. Pai.”
Morreste-me, José Luís Peixoto, Ed. Quetzal
O texto que deu a conhecer o jovem escritor José Luís Peixoto, é uma obra intensa, avassaladora e comovente. O relato da perda do pai. Um livro de culto, sobre uma dor que não pode deixar ninguém indiferente, ao mesmo tempo uma homenagem e uma memória redentora.
A casa onde às vezes regresso
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
José Tolentino Mendonça
O jornalista e psicólogo Guillermo Fariñas, 48 anos, está sem comer nem beber há 18 dias, esta é a sua 23ª greve de fome, e um protesto contra a morte de Orlando Zapata, que sucumbiu ao 85ª dia de greve de fome, a lutar pela libertação de 26 presos políticos cubanos. Por causa de uma das suas anteriores greves de fome - contra a censura na Net na ilha de Fidel de Castro, Guillermo recebeu um prémio em 2006 da organização Repórteres Sem Fronteiras.
Em Cuba, mais precisamente em Holguín, no seio de uma família de camponeses, em 1943 nasceu Reinaldo Arenas. Desiludido com a revolução, à qual havia aderido de imediato e com a qual colaborou, acabou por se tornar sua vítima, passando dois anos preso. Quando, em 1980, pôde finalmente sair de Cuba, acabou por se instalar em Nova Iorque onde, padecendo de sida, se suicidou em 1990.
É autor de uma vasta obra que inclui a sua autobiografia, publicada postumamente, Antes Que Anoiteça (1992), adaptada ao cinema em 2000, num filme realizado por Julian Schanabel com Jarvier Bardem como protagonista.
Dos muitos romances e da qual se destaca este , O Mundo Alucinante, agora reeditado pela D.Quixote, este livro que o autor classifica simplesmente com “romance de aventuras”, contém em si mil romances diferentes, sendo ao mesmo tempo muito mais do que um romance.
Frei Servando Teresa de Mier, célebre personagem histórica convertida para a ficção, viveu entre os séculos XVIII e XIX. Tal como o romancista, devido às suas ideias pouco ortodoxas, este frade, sofreu perseguições, e deu muitas vezes por si na prisão.
Neste mundo alucinante , em Havana as greves de fome e os presos políticos preexistem, morre-se na luta pela liberdade, como se o tempo tivesse parado na ilha, dando uma dimensão fabulosa e quase mítica à obra deste grande escritor cubano chamado Reinaldo Arenas.
Sem nunca ter conhecido pessoalmente Coetzee, um jovem biógrafo inglês trabalha num livro sobre o escritor. Uma série de entrevistas a pessoas que foram importantes para ele, a partir dos seus testemunhos surge um retrato do jovem Coetzee. O seu projecto é concentrar-se na época entre 1972 a 1977, então o escritor na casa dos 30, segundo o biógrafo depreende, o período em que estava «a apalpar terreno como escritor».
Verão ( D.Quixote) mostra-nos um grande criador em pleno exercício autobiográfico, por vezes comovente, por vezes francamente divertido, o escritor em pleno aquecimento para o seu trabalho. Este livro de memórias ficcionadas, foi finalista do Booker Prize de 2009, tendo sido Coetzee o primeiro escritor a vence-lo por duas vezes, em 2003 foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura.
“Se eu penso que os artistas não são feitos para o amor? Não. Não necessariamente. Eu procuro ter uma certa abertura relativamente a isso.
Bem, uma pessoa não pode indefinidamente ter abertura, se tenciona chegar a escrever o livro. Pense bem. Estamos em presença de um homem que, na mais íntima das relações humanas, não consegue estabelecer contacto, ou só consegue estabelecer contacto fugazmente, intermitentemente. E contudo como ganha ele a vida? Ganha a vida fazendo relatórios, relatórios especializados, sobre as experiências humanas íntimas. Porque é disso que os romances tratam- não é?-, de experiências íntimas. Os romances, contrariamente à poesia ou à pintura. Não lhe parece estranho?”
Verão, J.M. Coetzee, Ed. D.Quixote
A Monstra festival de animação de Lisboa, que começou dia 11 de Março, e termina a 21, está em festa pelo seu 10º aniversário. Apresenta em estreia nacional, Mary and Max, escrito e realizado por Adam Elliot e que conta com as vozes de Toni Collette, Philip Seymour Hoffman e Eric Bana. O filme integrou o Festival de Sundance em 2009, tendo recebido uma menção honrosa, inteiramente merecida tratando-se pois de uma monstruosa obra de arte.
Vencedor em 2009 do Bafta for Children's Animation, Lost And Found baseado num livro de Oliver Jeffers
O Irlandês Oliver Jeffers é um artista multidisciplinar, cujo trabalho se estende à escrita e ilustração de livros para crianças. Autor de O Incrível Rapaz Que Comia Livros, já publicado na colecção Orfeu Mini, tem recebido vários prémios, dos quais se destacam o Irish Book of the Year e medalha de ouro do Nestlé Children’s Book Award.
Histórias de Alexandre Andrade, Frederico Lourenço, Gonçalo M.Tavares, Hélia Correia, José Eduardo Agualusa, Maria Velho da Costa, Mário de Carvalho, Miguel Esteves Cardoso, Pedro Rosa Mendes, Rui Cardosos Martins.
Dez Contos para um número Especial Aniversário, da Revista Pública
mercearia
"Numa mercearia, lá atrás, um poster de Marilyn Monroe.
Depois vemos a mercearia. Os alimentos mal arrumados, a sujidade no balcão e em várias prateleiras.
Depois vemos o casal que trabalha na mercearia, provavelmente os seus donos. São feios, terrivelmente feios. Os dois.
Lá atrás, o poster de Marilyn Monroe"
Gonçalo M. Tavares.
Frédéric Chopin, em 1838, iniciou uma relação íntima com George Sand, seis anos mais velha do que ele, divorciada e mãe de dois filhos, pouco convencional e escritora de muito êxito. A seu lado, encontrou o que procurara desde a sua partida da Polónia: o carinho e calor do lar. Chopin e Sand passaram juntos o inverno de 1838-1839 em Maiorca, numa antiga Cartuxa Valldemossa, onde a saúde do compositor piorou sensivelmente. Após uma curta convalescença em Marselha, passou todos os Verões na residência familiar de Sand, em Nohant, até 1846; este foi, sem dúvida, o período mais feliz e produtivo da sua vida. Sand e Chopin nunca se casaram, mas recebiam tratamento de casal oficial nos círculos que frequentavam em Paris e partilhavam inúmeras amizades, como Eugène Delacroix.