sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O Som Da Nossa Idade

É tudo uma questão de sonoridade. Como se a simples inflexão da voz,
ou uma mudez de circunstância, abrissem o caderno de duas linhas de
uma nova grafia do tempo.
E o som é, então, inseguro de sentido, e o medo aloja-se no significado.


Eu explico:
No ano cujo a queda foi festejada à meia noite do passado dia 31 de
Dezembro, eu tinha cinquenta e nove anos de idade.
Dizer cinquenta e nove anos, ainda cabe na voz do quase nada. Não
imprime nota de rodapé em página de agenda, nem dá aperto de ponteiro
em pulso de relógio.
Cinquenta e nove anos é uma idade sem idade, é a quase idade, é,
ainda, a não idade.
Mas um segundo após a meia noite do passado dia 31, eu entrei na
possibilidade dos sessenta, e ter – (vir a ter) – sessenta anos é
coisa que não se diz com a voz caiada de mel.
Quando afirmo “ tenho sessenta anos”, há um travo hasteado no som da
minha voz, e pouco cabe nos lábios do presente, e tudo fica adiado
para o que me resta de futuro.
Um ano, um único ano, faz com que a minha idade já não seja uma canção.


É preciso tão pouco para a gente envelhecer
Basta que o som da nossa idade mude de nome.


Emanuel Jorge Botelho

1 comentário:

Unknown disse...

Genial!!!

Para quem escreve assim, o som da sua idade será sempre uma canção.

Há canções que não têm idade e escritores que permanecerão para sempre.

Benvinda