sexta-feira, 29 de julho de 2016

Aquela Ilha Esquecida



“Aquela Ilha esquecida
Que eu habito adormecida
Que, à noite, eu vou habitar;

Aquela Ilha encantada
Que não se encontra de dia,
Pois fica na madrugada;

A Ilha não descoberta,
Onde a criptoméria aberta
Espalha em volta o luar;

A Ilha desconhecida
Que pelos caminhos do sonho
Se mostra a quem a buscar.

Áquela Ilha distante,
Não há ninguém que se afoite…

Aquela Ilha esquecida
Que só tem um habitante:
Eu que lá vivo de noite…”  


(In) Antologia Poética, Natália Correia, D.Quixote, 2013

quinta-feira, 28 de julho de 2016

D.Pedro IV- São Miguel, 10 de junho de 1832


 “Minha querida Maria. Recebi a tua cartinha de 10 de maio escrita um pouco mal para a tua idade e adiantamento. Parece-me que tu não tens cuidado muito de estudares, e enquanto Mamam não me mandar dizer que tu te aplicas como no meu tempo eu não deixarei de te mostrar sempre que tenha ocasião o meu desprazer: quando tu, minha filha, chegares a uma idade mais avançada, tu não deixarás de conhecer que eu tinha razão de te desejar ver instruída, o efeito de não ter recebido uma educação conveniente eu tenho sentido, tudo que tenho feito tem sido porque Deus me tem favorecido, eu não quero que tu me julgues para o futuro um pai descuidado de tua educação, antes quero que me tenhas por severo.
            O amor que te tenho, minha querida filha, é que faz falar-te tão claro, eu espero que tu estudes d’ora em diante como convém a quem tem que reger uma Nação que precisa de bons exemplos e de uma rainha assaz instruída (…)”.

Carta de D. Pedro IV, rei de Portugal e Imperador do Brasil, a D. Maria II

(In) D.Pedro IV, Paulo Rezzutti, Casa das Letras, 2016. 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

"Doce Carícia"

   Amory Clay, 1928
       
        O romance Doce Carícia assume-se como uma cativante autobiografia ficcional da autoria de William Boyd acerca da inesquecível Amory Clay.
             A obra centra-se na figura de Amory Clay, cujo trajeto fora marcado, entre diversos aspetos, por momentos fulcrais do século XX: “Amory Clay recomeçara a fotografar e era paga para isso-, mas era estranho estar na América enquanto se travava uma guerra Europa”. Nascida na década que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, a protagonista da obra em questão recebeu um nome andrógino por parte do seu pai que ficara desapontado pelo sexo do bebé, anunciando-o como masculino. No entanto, Amory não adotou uma atitude de submissão, tendo-se assumido como mulher e rejeitado os limites que lhe impunham. Apaixonada pela fotografia, dedicou-se ao registo da sua própria versão dos acontecimentos, além de que circulou entre Londres e Nova Iorque na qualidade de fotojornalista e de jornalista de moda: “Depressa percebi que não era uma fotógrafa de moda; examinava uma vez e outra as minhas fotografias para a American Mode e não via senão poses rígidas, falsas e inibidas- mediocridade, em suma. As poucas fotos informais que consegui fazer com as modelos, enquanto elas mudavam de roupa, quando iam buscar um café ou quando ficávamos à conversa o fim da sessão, pareciam-me mil vezes mais vivas”.
A audácia apresenta-se como uma constante da personalidade de Amory, não temendo arriscar tudo. O seu desejo desenfreado de adquirir novas experiências levou-a a conhecer a decadência do período histórico que vivenciou. William Boyd, o autor de Doce Carícia nasceu no Gana, mais propriamente, em Acra, tendo desempenhado em Oxford o cargo de professor de inglês e literatura. Atualmente é membro da Sociedade Real da Literatura Inglesa, passando grande parte do seu tempo em duas regiões distintas: Londres e França.
Neste romance, o leitor depara-se com uma personagem que se reveste de uma vibrante, dinâmica e forte personalidade.


Doce Carícia , William Boyd, D.Quixote, 2016

quinta-feira, 21 de julho de 2016

"À Beira da Água"



“Havia escorpiões na gruta o ano inteiro, mas sobretudo nos dias antes de as plantas começarem a deixar passar as gotas de água. A velha tinha uma trouxa enorme com trapos e servia-se dela para os expulsar das paredes e do teto, pisando-os rapidamente com o calcanhar duro e nu. De vez em quando, um passarozinho ou pequeno animal selvagem aparecia à boca da gruta, mas ela nunca era suficientemente rápida para o matar e já tinha desistido de tentar”.

Paul Bowles, o escritor nova-iorquino de Queens, começou por viajar em 1929, tendo como destino a Europa, onde conviveu com Gertrude Stein, Jean Cocteau e Ezra Pound, entre outros. Em 1931, o viajante escolheu Tânger como destino para passar grande parte da sua vida, sendo a sua produção literária influenciada pela dinâmica das múltiplas culturas que conhecera.
A sua vida fora marcada pela dedicação à composição musical, assim como, à escrita de ficção, poesia, ensaios e reportagens. Destaca-se, entre a sua vasta obra literária, O Céu que Nos Protege que ocupou o primeiro lugar da lista dos livros mais vendidos do The New York Times, além de que foi alvo de uma adaptação cinematográfica por parte de Bernardo Bertolucci. Atualmente, a obra À Beira da Água apresenta-se como o primeiro de dois volumes que reúnem os contos de Paul Bowles. À Beira da Água contém 29 contos, como por exemplo O Escorpião que incide na história de uma velha de escassos recursos e de fraca memória que vivia sozinha numa gruta de argila frequentemente habitada por escorpiões. Igualmente interessante é o conto intitulado Paragem em Corazón, onde um casal em lua de mel se apresenta como protagonista. A ação desenrola-se com base na intensificação da ansiedade do marido face ao desaparecimento da esposa e na consequente tentativa de a encontrar. Neste cenário o leitor depara-se com o frenético batimento cardíaco do marido que está intimamente ligado ao título Paragem em Corazón. Paul Bowles socorre-se do amor, do suspense e da intriga, construindo este cativante conto.

 À Beira da Água, Paul Bowles, Quetzal Editores, 2016. 

segunda-feira, 18 de julho de 2016

George Orwell - "Ensaios Escolhidos"



George Orwell, oriundo da Índia Britânica, mais propriamente, de Motihari, assumiu-se como jornalista, ensaísta político e um como um dos mais emblemáticos escritores ingleses do século XX.
Ao defender o autonomismo, George Orwell fora considerado simpatizante do anarquismo, opondo-se, de forma intensa, ao totalitarismo. A sua produção literária é marcada pela oposição mencionada, além de que reflete profundas injustiças sociais. Estes seus ideais transparecem na célebre obra intitulada 1984 que se apresenta como um romance distópico, cujo foco incide na realidade e no terror de cariz político nos mais diversos países. George Orwell, em 1984, critica os fatores que na sociedade moderna poderiam conduzir a uma vida de privação e embrutecimento. É de referir que o escritor, ao escrever 1984, não imaginava que a sua obra adquirisse um caráter profético, apesar de se ter assistido à concretização de certos cenários patentes na mesma – “The Big Brother is Watching you”.
Na obra Ensaios escolhidos estão reunidos 37 ensaios que acompanharam o trajeto de George Orwell desde a Birmânia até à sua vida em Londres e Paris. Veja-se, por exemplo, em Bons Maus Livros, a reflexão do autor acerca de obras que não tendo grandes pretensões literárias eternizaram-se: “Um tipo de livro que raramente vemos ser produzido hoje em dia, mas que floresceu abundantemente no final do século XIX, é aquele que a Chesterton chamou o “bom mau livro”, ou seja, o tipo de livro que não tem pretensões literárias, mas que permanece legível numa altura em que produções mais sérias já desapareceram de cena. Dentro desta categoria, livros claramente notáveis são Raffles e as histórias de Sherlock Holmes, que mantiveram a sua posição enquanto inúmeros “romances sociais”, “documentos humanos” e “terríveis denúncias” disto ou daquilo caíram num merecido esquecimento. (…) Contudo, todos os livros de que tenho estado a falar são “literatura de evasão”. Formam gratos nichos na nossa memória, sossegados recantos onde o espírito pode pastar ocasionalmente, mas dificilmente pretendem ter algo que ver com a vida real”.

Ensaios Escolhidos, George Orwell, Relógio D’Água, 2016.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Literatura, Identidade, uma pequena reflexão sobre "Minima Azorica" de Onésimo Teotónio Almeida



A temática de Minima Azorica O meu mundo é deste reino, livro de ensaios da autoria de Onésimo Teotónio Almeida, incide na afirmação de uma identidade específica: a açoriana.
Na obra supramencionada, Onésimo Almeida realça a quão problemática fora a aceitação da reflexão em torno da tese da identidade, pelo que foram necessários longos períodos de tempo para que se verificasse o estabelecimento da mesma. A este propósito é fulcral fazer referência ao ensaio intitulado Minima Azorica, ou a fala de açorianos no meio do mar patente no terceiro volume da obra BorderCrossings Leituras Transatlânticas, da autoria do ensaísta Vamberto Freitas que afirma: “[…] Levou muitos séculos para nomearmos o que nos aconteceu e nos moldou como povo- a açorianidade […]”.
Não obstante viver no continente americano, Onésimo Almeida revela-se incapaz de esquecer a sua origem açoriana, razão pela qual alega: “[…] Jamais escondi que os Açores me foram e são, ainda e sempre, um lugar íntimo. […] Os primeiros vinte e dois anos de vida imprimem um caráter a qualquer um […]”. Uma das diversas ideias a destacar da sua obra assenta, sem dúvida, no desinteresse do público continental face à cultura açoriana e, consequentemente, na irracionalidade da insistência em obter tal interesse. É, precisamente, neste contexto que o Onésimo Almeida afirma: “[…] Esforço vão, como tantos outros no país. A partir de certa altura, achei mais sábio desistir. Não vale a pena tentar captar o olhar e os ouvidos de quem vive há séculos obcecado com a atenção dos estrangeiros […]”. Significa isto que de, acordo com o autor, o importante é focarmo-nos na afirmação da nossa cultura em detrimento da preocupação com a indiferença nacional. Esta indiferença perante a cultura açoriana é reiterada por Vamberto Freitas: “[…] Não tem sido nada fácil a nossa afirmação histórica e cultural como parte fundamental e indesligável da restante nação”.
Segundo Onésimo Almeida, a reforçar a existência da açorianidade surge a elevada publicação literária açoriana, de qualidade, que tende a superar a nacional. É neste âmbito que, de entre uma multiplicidade de autores, se alude a alguns açorianos, tais como, Pedro da Silveira, Natália Correia, Vitorino Nemésio, Dias de Melo, Daniel Sá, Fernando Aires, Antero de Quental, Emanuel Félix, José Enes, Madalena Férin, Rogério Silva e José Martins Garcia, os quais em muito contribuíram para a dinamização da história cultural literária. A açorianidade transparece na forte influência que a geografia e os elementos físicos que a compõem exercem sob a escrita dos autores mencionados. Quer isto dizer que, de acordo com autor, o isolamento, as tempestades, os vulcões, as chuvas prolongadas e os cataclismos açorianos produzem um ambiente específico que molda a cultura e, por conseguinte, a escrita que, assim, apresenta traços peculiares. São destes elementos climatéricos que decorre a predominância da melancolia e da fatalidade na produção literária açoriana.
A necessidade de afirmação da identidade açoriana é fruto do confronto com a realidade cultural exterior, representada pelo continente português, do qual resulta a consciencialização açoriana das diferenças existentes nessa mesma realidade e a consequente necessidade de afirmação de uma identidade distinta. Deste modo, faz todo o sentido o subtítulo da obra Minina Azorica: O meu mundo é deste reino.


Sara Simão
Helena Frias

Ponta Delgada 14 de julho, 2016

terça-feira, 12 de julho de 2016

A enigmática personalidade italiana de Elena Ferrant



Elena Ferrante assume-se como uma das figuras mais enigmáticas no campo literário da atualidade.
Provavelmente, Ferrante terá nascido em 1943, em Itália, num pobre e popular bairro de Nápoles, tendo vivido na Grécia. O mistério que se lhe associa advém do desconhecimento do seu género, constituindo o seu nome um possível pseudónimo. Publicou, pela primeira vez, em 1991, o romance intitulado Um Estranho Amor. A reforçar o seu anonimato surge a inexistência de um contacto direto com jornalistas nas entrevistas, escassas, escritas e intermediadas pelos próprios editores, em que aceitou participar. Ferrante sempre evitou comparecer à entrega de prémios ou à estreia de adaptações cinematográficas das suas obras. A honestidade apresenta-se como uma constante da sua escrita, ideia que é ilustrada pela seguinte frase proferida por Ferrante numa entrevista publicada pela revista literária The Paris Review:“A ficção literária parece-me feita de propósito para dizer a verdade”.
Editada em Portugal pela Relógio D’Água, a tetralogia de Elena Ferrante compõe-se de Amiga Genial, de História do Novo Nome, História de Quem Vai e de Quem Fica e História da Menina Perdida. A sua carreira adquiriu um enorme prestígio com a publicação das suas obras em diversos países e, consequentemente, com a obtenção de excelentes críticas nos Estados Unidos da América. James Wood em 2013 na revista The New Yorker, elaborou um extenso artigo a elogiar a capacidade criativa literária afirmando: ”Elena Ferrante” is one of Italy’s best-known least-known contemporary writers. She is the author of several remarkable, lucid, austerely honest novels […]”. De igual modo, o jornal inglês The Guardian efetuou rasgados elogios acerca de Ferrante. Não obstante serem reinventadas, as histórias são inspiradas em acontecimentos reais, facto que se encontra patente numa entrevista que Ferrante aceitou para o New York Times: “As mulheres das minhas histórias são ecos de mulheres reais que, por causa do seu sofrimento ou da sua combatividade, influenciaram muito a minha imaginação: a minha mãe, uma amiga de infância, mulheres conhecidas cujas histórias eu sabia”. A este propósito surge em Amiga Genial, a personagem Raffaela Cerullo, mais conhecida por Lila, que desempenha, entre diversos papéis, o de amiga de infância de Elena e de mãe de Rino. A escrita de Ferrante, geralmente, incide nas angústias de um passado das quais as figuras femininas se revelam incapazes de se libertar. A narrativa do primeiro volume da tetralogia foca a angústia de Lila, mais propriamente, o seu desejo de desaparecer sem deixar rasto: “[…] Há pelo menos trinta anos que me diz que quer desaparecer sem deixar rasto, e só eu sei bem o que ela quer dizer. […] A sua intenção foi sempre outra: queria volatilizar-se; queria que todas as células desaparecessem; que dela não fosse possível encontrar nada […]”. O estado de alma de Lila acaba por ser transposto para o seu filho Rino e amiga Elena aquando do seu desaparecimento sem rasto: “Rino ligou-me esta manhã […] Mas o motivo do telefonema era outro: não sabia da mãe. […] Mas acabara por ficar preocupado. Perguntara a toda a gente, dera uma volta pelos hospitais, até tinha ido à polícia. […] Disse-me coisas sem pés nem cabeça. Queria ir à televisão, ao programa onde se fala das pessoas desaparecidas, fazer um apelo, pedir perdão à mãe, suplicar-lhe que volte”. 
 A identidade de Elena Ferrante restringe-se à personagem literária, constituindo-se, por isso, na vida real como um enigma. Socorre-se da absoluta liberdade de criação artística, fruto do forte respeito pela sua vida privada, de modo a reinventar acontecimentos reais por via da escrita.

Todos os Contos



"Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.  Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos inconvencíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra".


(In) Todos os Contos, Clarice Lispector, Relógio D'Água, 2016.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Obras de José Martins Garcia


Amanhã, na LeYa na Solmar pelas 18.30h, apresentação pública da reedição de três grandes obras de José Martins Garcia. A colecção, integrada na Biblioteca Açoriana da Companhia das Ilhas, é dirigida pelos escritores Urbano Bettencourt e Carlos Alberto Machado.
(…) Este autor tem caminhado sempre por caminhos próprios, sem atenção às últimas modas ou preocupaçõezinhas existenciais. Não é yuppie nem está fora de horas – vai, exactamente por isso, perdurar. Noutro livro seu, pressentimos que algo de maior está para vir. Talvez a preocupação, a obsessão, com o Grande e Definitivo romance diz só respeito aos críticos. Talvez. Mas poucos em Portugal, nestes nossos dias, têm dado provas dessa possibilidade, como este autor.
[Vamberto Freitas, “Memória da Terra ou o Perpétuo Cativeiro”, in "O Imaginário dos Escritores Açorianos", Lisboa, Edições Salamandra, 1992: 41]