quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Leituras de Verão


O Chão dos Pardais
Dulce Maria Cardoso

Afonso é um homem muito poderoso. Inatingível. A não ser pelos anos, que passam e o envelhecem quase como a outro qualquer. Há muito que já só encontra a juventude nos corpos das amantes. Como o de Sofia, que o odeia e ama Júlio. Entretanto Alice, a mulher de Afonso, desistiu, nem sabe ela bem de quê. Os filhos cresceram e partiram, sem partir. A filha,Clara, traduz livros inúteis e apaixona-se por Elisaveta. O filho, Manuel, é um cirurgião plástico à espera de ser julgado por negligência e entregue ao amor adiado por uma mulher longínqua com quem se encontra no ecrã do computador. Mas tudo está perfeito na festa dos sessenta anos de Afonso Antes e depois dessa festa, antes e depois da tragédia que a estraga, o romance dá conta das forças que atiram umas personagens contra outras. Seja para se amarem ou para se odiarem. E, vertical, por entre todas as forças, a força da gravidade que estatela no chão os corpos que caem. Mesmo assim, parece simples ser feliz.

 
A Rainha da Neve
Michael Cunningham

O romance luminoso de Michael Cunningham começa com uma visão. Estamos em Novembro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu. Ali, avista uma luz pálida e translúcida que parece olhar para ele de uma forma inequivocamente divina. Barrett não acredita em visões – nem em Deus – mas não pode negar o que viu e sentiu. Ao mesmo tempo, Tyler, o irmão mais velho de Barrett, músico em busca de inspiração, tenta – sem sucesso – escrever uma canção de casamento para Beth, a sua noiva gravemente doente. Tyler está determinado a escrever uma canção que não seja meramente uma balada sentimental, mas uma expressão duradoura de amor. Cunningham segue os irmãos Meek nos seus diferentes percursos em busca da transcendência. Numa prosa subtil e lúcida, demonstra uma profunda empatia pelas personagens torturadas e uma compreensão singular daquilo que constitui o âmago da alma humana. A Rainha da Neve, obra bela e comovente, cómica e trágica, vem de novo provar que Michael Cunningham é um dos grandes romancistas da sua geração.

 
O Tempo Morto é um Bom Lugar
Manuel Jorge Marmelo

Galardoado recentemente com o Prémio Correntes d’ Escritas/Casino da Póvoa 2014, pelo romance "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", M.J. Marmelo lança um extraordinário romance em que temas fundamentais do nosso tempo são tratados com a mais apurada mestria literária. Depois de acordar ao lado do cadáver de Soraya – a mestiça belíssima, estrela televisiva, com quem mantinha uma relação íntima a pretexto de lhe escrever a autobiografia –, o jornalista desempregado Herculano Vermelho entrega-se à polícia e é preso. Não tem memória de nada, nem de que possa ter sido ele a matar a jovem mulher, mas a prisão parece-lhe ser o lugar ideal, o espaço de sossego e de liberdade (sem contas para pagar, sem apresentações regulares no centro de emprego, sem pressões de qualquer espécie), para passar a sua vida em revista, a relação com as mulheres, e escrever a autobiografia da rapariga morta.

 
Contos Maravilhosos
Hermann Hesse

Poucos leitores parecem estar cientes de que Hermann Hesse, o autor de romances épicos como "O Lobo das Estepes" ou "Siddharta", também escreveu magníficos textos de prosa poética. Esta coletânea reúne os contos mais emblemáticos da obra do autor, e nela se inclui "Os Dois Irmãos" ("Die Beiden Brüder"), o seu primeiro trabalho em prosa, escrito quando Hesse tinha apenas dez anos, que é exemplo disso: imbuído de alguns dos imaginários e sentimentos típicos dos romances de Hesse, mas escrito com uma clareza e ressonância próprias, um sentimento de saudade para o amor e para a casa, é, simultaneamente, extremamente simples e profundamente poético. São pequenas histórias, em linguagem simples mas plenas de simbolismo e referências filosóficas que remetem para um mundo além da efabulação. A experiência como elemento unificador do homem e do universo, a busca de harmonia e unidade do indivíduo no seu confronto com o mundo são temas que perpassam estes contos onde habitam a fantasia e a visão mágica dos seres e da Natureza num registo poético singular.

 
O Ilustre Colegial
John le Carré 

A toupeira foi eliminada, mas a devastação que deixou na sua esteira depauperou gravemente os serviços secretos britânicos. Investido da chefia do Circus, numa altura em que a organização se encontra altamente comprometida, George Smiley lança-se numa campanha que visa pôr a descoberto aquilo que o Centro de Moscovo mais deseja ocultar, obstinando-se em reunir provas de que Karla prepara uma grande operação no Extremo Oriente. Talvez por aí se pudesse iniciar a reconstrução do Circus. Mas, para isso, são necessários agentes livres de qualquer suspeita, indivíduos que a toupeira não tenha detetado ou conhecido. E Smiley acredita ter encontrado o homem certo: um aristocrata tão digno e frustrado como a própria Grã-Bretanha; um ilustre colegial cuja respeitabilidade poderá ser arruinada por uma contraoperação que se revela pouco ética, como todas as operações de espionagem, mas na qual reside a grande oportunidade de o Circus renascer das cinzas. Brilhantemente urdido e moralmente complexo, "O Ilustre Colegial" não só constitui um fascinante retrato da espionagem pós-colonial como nos revela um mundo dilacerado pela guerra onde as fidelidades – e as vidas – são objeto de compra e venda.

 
A Ilha
Aldous Huxley

O derradeiro romance de Aldous Huxley, e contraponto utópico de "Admirável Mundo Novo", apresenta-nos Pala, uma ilha onde uma sociedade ideal, regida por crenças assentes no budismo e no hinduísmo, floresce há cento e vinte anos, atraindo inevitavelmente a inveja do mundo circundante. Está em curso uma conspiração para invadir Pala, rica em petróleo, e os acontecimentos precipitam-se quando Will Farnaby, inicialmente um agente dos conspiradores, chega à ilha. É provavelmente o livro mais desencantado de Huxley, e inscreve-se nele a firme convicção de que, entre a ganância e a avidez dos homens, comunidades pacíficas como Pala estão condenadas. Publicada em 1962, A Ilha é um espelho que permite ao homem moderno ver tudo o que está podre na sociedade e em si próprio.

 
As Armas Secretas
Julio Cortázar

Os contos que compõem As armas secretas, considerados obras-primas no género, constituem importantes marcos na escrita de Julio Cortázar. Nestes, a realidade labiríntica e obsessiva em que vive o homem contemporâneo é descrita de forma fantástica e, por vezes, alucinante, num estilo único que explora as zonas de fronteira da própria literatura. Volume que inclui, entre outros, os célebres contos As babas do diabo, adaptado ao cinema por Michelangelo Antonioni no filme "Blow-up - História de um Fotografo" e "O Perseguidor", sobre os derradeiros dias do músico de jazz Charlie Parker.

 
Ressurgir
Margaret Atwood

"Ressurgir" é o segundo romance de Margaret Atwood e nele são já visíveis os traços essenciais da sua ficção. Uma jovem mulher viaja até à remota ilha da sua infância, com o companheiro e um casal amigo, para investigar o misterioso desaparecimento do seu pai. Após a chegada à ilha, antigos segredos afloram à superfície do lago que os rodeia, com objetos nele afundados. Imersa nas suas memórias, a narradora compreende que regressar a casa é não apenas voltar a outro lugar, mas também a outro tempo. E depois de descobrir uma caverna submersa com pinturas rupestres, imagina-se em fusão anímica com a natureza. "Ressurgir" é um romance preocupado com as fronteiras da língua, da identidade nacional, da família, do sexo e dos corpos, tendo como pano de fundo um Canadá rural, transformado pelo comércio, a construção, o turismo e a engrenagem dos média.

 
Diários
George Orwell

Os diários de George Orwell (1931-1949) dão a conhecer a vida do escritor que marcou o pensamento político do século XX. Escritos ao longo da sua carreira, os onze diários que sobreviveram – sabe-se que haverá outros dois da sua permanência em Espanha guardados nos arquivos da NKVD em Moscovo – registam as suas viagens de juventude entre os mineiros e os trabalhadores migrantes, a ascensão dos regimes totalitários, o horrível drama da Segunda Guerra Mundial, bem como os acontecimentos que inspiraram as suas obras-primas: " A Quinta dos Animais" e "1984". As entradas de carácter pessoal reportam um dia-a-dia muitas vezes precário, a trágica morte da sua primeira mulher, e o declínio de Orwell, vítima de tuberculose.

 
Histórias de Roma
Enric González

Talvez Roma seja apelidada de Cidade Eterna porque o tempo a atravessa com lentidão. Caótica e simultaneamente melancólica, acumula um cepticismo de séculos, mas mantém a luminosa vivacidade do Mediterrâneo. O catalão Enric González viveu em muitas cidades ao longo da sua vida enquanto correspondente do El País, mas escreveu apenas sobre algumas, e escreveu sempre a uma distância temporal confortável, que lhe permitisse recolher as memórias e experiências que de facto importam. Este livro não é um guia turístico nem uma antologia de lugares – é um percurso pessoal por uma Roma fascinante, às vezes secreta. Nas suas páginas, o leitor encontrará uma sucessão de histórias, personagens, momentos e cenários romanos: gatos, pinturas de Caravaggio, a casa e o túmulo de Keats, a melhor pizaria da cidade, o lugar onde se toma o melhor café do mundo, burocracia, a história de um marquês perverso, voyeur, assassino e suicida, o périplo de um pacote que corre meio mundo e regressa a Roma devido à incompetência dos Correios, papas, Berlusconi, uma igreja onde ninguém se quer casar, os códigos romanos de cortesia, futebol, conspirações maçónicas, barbearias, palácios, virgens, santos e milagres.

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