O Chão dos Pardais
Dulce Maria
Cardoso
Afonso é um homem muito poderoso. Inatingível. A não ser
pelos anos, que passam e o envelhecem quase como a outro qualquer. Há muito que
já só encontra a juventude nos corpos das amantes. Como o de Sofia, que o odeia
e ama Júlio. Entretanto Alice, a mulher de Afonso, desistiu, nem sabe ela bem
de quê. Os filhos cresceram e partiram, sem partir. A filha,Clara, traduz
livros inúteis e apaixona-se por Elisaveta. O filho, Manuel, é um cirurgião
plástico à espera de ser julgado por negligência e entregue ao amor adiado por
uma mulher longínqua com quem se encontra no ecrã do computador. Mas tudo está
perfeito na festa dos sessenta anos de Afonso Antes e depois dessa festa, antes
e depois da tragédia que a estraga, o romance dá conta das forças que atiram
umas personagens contra outras. Seja para se amarem ou para se odiarem. E,
vertical, por entre todas as forças, a força da gravidade que estatela no chão os
corpos que caem. Mesmo assim, parece simples ser feliz.
Michael Cunningham
O romance luminoso de Michael Cunningham começa com uma
visão. Estamos em Novembro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma
vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu.
Ali, avista uma luz pálida e translúcida que parece olhar para ele de uma forma
inequivocamente divina. Barrett não acredita em visões – nem em Deus – mas não
pode negar o que viu e sentiu. Ao mesmo tempo, Tyler, o irmão mais velho de
Barrett, músico em busca de inspiração, tenta – sem sucesso – escrever uma
canção de casamento para Beth, a sua noiva gravemente doente. Tyler está
determinado a escrever uma canção que não seja meramente uma balada
sentimental, mas uma expressão duradoura de amor. Cunningham segue os irmãos
Meek nos seus diferentes percursos em busca da transcendência. Numa prosa
subtil e lúcida, demonstra uma profunda empatia pelas personagens torturadas e
uma compreensão singular daquilo que constitui o âmago da alma humana. A Rainha
da Neve, obra bela e comovente, cómica e trágica, vem de novo provar que
Michael Cunningham é um dos grandes romancistas da sua geração.
Manuel Jorge Marmelo
Galardoado recentemente com o Prémio Correntes d’
Escritas/Casino da Póvoa 2014, pelo romance "Uma Mentira Mil Vezes
Repetida", M.J. Marmelo lança um extraordinário romance em que temas
fundamentais do nosso tempo são tratados com a mais apurada mestria literária.
Depois de acordar ao lado do cadáver de Soraya – a mestiça belíssima, estrela
televisiva, com quem mantinha uma relação íntima a pretexto de lhe escrever a
autobiografia –, o jornalista desempregado Herculano Vermelho entrega-se à
polícia e é preso. Não tem memória de nada, nem de que possa ter sido ele a
matar a jovem mulher, mas a prisão parece-lhe ser o lugar ideal, o espaço de
sossego e de liberdade (sem contas para pagar, sem apresentações regulares no
centro de emprego, sem pressões de qualquer espécie), para passar a sua vida em
revista, a relação com as mulheres, e escrever a autobiografia da rapariga
morta.
Hermann Hesse
Poucos leitores parecem estar cientes de que Hermann Hesse,
o autor de romances épicos como "O Lobo das Estepes" ou
"Siddharta", também escreveu magníficos textos de prosa poética. Esta
coletânea reúne os contos mais emblemáticos da obra do autor, e nela se inclui
"Os Dois Irmãos" ("Die Beiden Brüder"), o seu primeiro
trabalho em prosa, escrito quando Hesse tinha apenas dez anos, que é exemplo
disso: imbuído de alguns dos imaginários e sentimentos típicos dos romances de
Hesse, mas escrito com uma clareza e ressonância próprias, um sentimento de
saudade para o amor e para a casa, é, simultaneamente, extremamente simples e
profundamente poético. São pequenas histórias, em linguagem simples mas plenas
de simbolismo e referências filosóficas que remetem para um mundo além da
efabulação. A experiência como elemento unificador do homem e do universo, a
busca de harmonia e unidade do indivíduo no seu confronto com o mundo são temas
que perpassam estes contos onde habitam a fantasia e a visão mágica dos seres e
da Natureza num registo poético singular.
John le Carré
A toupeira foi eliminada, mas a devastação que deixou na sua
esteira depauperou gravemente os serviços secretos britânicos. Investido da
chefia do Circus, numa altura em que a organização se encontra altamente
comprometida, George Smiley lança-se numa campanha que visa pôr a descoberto
aquilo que o Centro de Moscovo mais deseja ocultar, obstinando-se em reunir
provas de que Karla prepara uma grande operação no Extremo Oriente. Talvez por
aí se pudesse iniciar a reconstrução do Circus. Mas, para isso, são necessários
agentes livres de qualquer suspeita, indivíduos que a toupeira não tenha
detetado ou conhecido. E Smiley acredita ter encontrado o homem certo: um
aristocrata tão digno e frustrado como a própria Grã-Bretanha; um ilustre
colegial cuja respeitabilidade poderá ser arruinada por uma contraoperação que
se revela pouco ética, como todas as operações de espionagem, mas na qual reside
a grande oportunidade de o Circus renascer das cinzas. Brilhantemente urdido e
moralmente complexo, "O Ilustre Colegial" não só constitui um
fascinante retrato da espionagem pós-colonial como nos revela um mundo
dilacerado pela guerra onde as fidelidades – e as vidas – são objeto de compra
e venda.
Aldous Huxley
O derradeiro romance de Aldous Huxley, e contraponto utópico
de "Admirável Mundo Novo", apresenta-nos Pala, uma ilha onde uma
sociedade ideal, regida por crenças assentes no budismo e no hinduísmo,
floresce há cento e vinte anos, atraindo inevitavelmente a inveja do mundo
circundante. Está em curso uma conspiração para invadir Pala, rica em petróleo,
e os acontecimentos precipitam-se quando Will Farnaby, inicialmente um agente dos
conspiradores, chega à ilha. É provavelmente o livro mais desencantado de
Huxley, e inscreve-se nele a firme convicção de que, entre a ganância e a
avidez dos homens, comunidades pacíficas como Pala estão condenadas. Publicada
em 1962, A Ilha é um espelho que permite ao homem moderno ver tudo o que está
podre na sociedade e em si próprio.
Julio Cortázar
Os contos que compõem As armas secretas, considerados
obras-primas no género, constituem importantes marcos na escrita de Julio
Cortázar. Nestes, a realidade labiríntica e obsessiva em que vive o homem
contemporâneo é descrita de forma fantástica e, por vezes, alucinante, num
estilo único que explora as zonas de fronteira da própria literatura. Volume
que inclui, entre outros, os célebres contos As babas do diabo, adaptado ao
cinema por Michelangelo Antonioni no filme "Blow-up - História de um
Fotografo" e "O Perseguidor", sobre os derradeiros dias do
músico de jazz Charlie Parker.
Margaret Atwood
"Ressurgir" é o segundo romance de Margaret Atwood
e nele são já visíveis os traços essenciais da sua ficção. Uma jovem mulher
viaja até à remota ilha da sua infância, com o companheiro e um casal amigo,
para investigar o misterioso desaparecimento do seu pai. Após a chegada à ilha,
antigos segredos afloram à superfície do lago que os rodeia, com objetos nele
afundados. Imersa nas suas memórias, a narradora compreende que regressar a casa
é não apenas voltar a outro lugar, mas também a outro tempo. E depois de descobrir
uma caverna submersa com pinturas rupestres, imagina-se em fusão anímica com a
natureza. "Ressurgir" é um romance preocupado com as fronteiras da
língua, da identidade nacional, da família, do sexo e dos corpos, tendo como
pano de fundo um Canadá rural, transformado pelo comércio, a construção, o
turismo e a engrenagem dos média.
George Orwell
Os diários de George Orwell (1931-1949) dão a conhecer a
vida do escritor que marcou o pensamento político do século XX. Escritos ao
longo da sua carreira, os onze diários que sobreviveram – sabe-se que haverá
outros dois da sua permanência em Espanha guardados nos arquivos da NKVD em
Moscovo – registam as suas viagens de juventude entre os mineiros e os
trabalhadores migrantes, a ascensão dos regimes totalitários, o horrível drama
da Segunda Guerra Mundial, bem como os acontecimentos que inspiraram as suas
obras-primas: " A Quinta dos Animais" e
"1984". As entradas de carácter pessoal reportam um dia-a-dia muitas
vezes precário, a trágica morte da sua primeira mulher, e o declínio de Orwell,
vítima de tuberculose.
Enric González
Talvez Roma seja apelidada de Cidade Eterna porque o tempo a
atravessa com lentidão. Caótica e simultaneamente melancólica, acumula um
cepticismo de séculos, mas mantém a luminosa vivacidade do Mediterrâneo. O
catalão Enric González viveu em muitas cidades ao longo da sua vida enquanto
correspondente do El País, mas escreveu apenas sobre algumas, e escreveu sempre
a uma distância temporal confortável, que lhe permitisse recolher as memórias e
experiências que de facto importam. Este livro não é um guia turístico nem uma
antologia de lugares – é um percurso pessoal por uma Roma fascinante, às vezes
secreta. Nas suas páginas, o leitor encontrará uma sucessão de histórias,
personagens, momentos e cenários romanos: gatos, pinturas de Caravaggio, a casa
e o túmulo de Keats, a melhor pizaria da cidade, o lugar onde se toma o melhor
café do mundo, burocracia, a história de um marquês perverso, voyeur, assassino
e suicida, o périplo de um pacote que corre meio mundo e regressa a Roma devido
à incompetência dos Correios, papas, Berlusconi, uma igreja onde ninguém se
quer casar, os códigos romanos de cortesia, futebol, conspirações maçónicas,
barbearias, palácios, virgens, santos e milagres.
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