quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Procure-se na Livraria

Falar da Livraria Sol Mar é falar de algo para mim profundamente familiar. Não tanto pelo número de vezes que a frequento, antes por um processo talvez pouco usual mas particularmente privilegiado. Isto é: mais do que deslocar-me à livraria, é ela quem se desloca até mim. Todos os dias, sem pedir licença, entra-me pela porta dentro. Senta-se à mesa connosco e connosco faz sala. Diz-me dos livros que chegaram, quem por lá passou, o que se disse, o que se imaginou, se inventou e se concretizou em mais uma iniciativa a partilhar por todos que a visitam. Depois, são os livros que se compraram, sempre envolvidos em inescapável sedução. Prazenteiros, procuram lugar nas nossas estantes. Tira-se um daqui, aconchega-se outro ali e cá está espaço para mais um. Tudo num gesto infinitamente renovado, que nunca cansativo, pois a vida faz-se destes pequenos gestos, expressão do afecto e do culto pela palavra.
Assim, quando vou à Livraria Sol Mar nada nela me surpreende. Tudo me foi minuciosamente narrado. Ali, apenas constato o segredo que cada livro contém. Toco-os então de perto, miro-os, leio uma página aqui outra ali e devolvo-os ao seu lugar, e volto uma vez mais, e mais uma vez ao acarinho. Tudo isto, na forma de uma confirmação, de um ritual repetido. Repetido ou reconhecido não foi, porém o novo espaço de que goza neste momento. Falhou este pormenor ao Vamberto. Por isso, o fascínio do inesperado deixou-me extática, e, mais do que o próprio espaço, foram os focos e os efeitos da luz que mais me tocaram. A sua projecção sobre as paredes vazias (preparadas para acomodar aquilo que sem espaço não vive, as obras de arte plástica) desenha sombras que dão à claridade o formato de arcos contínuos, acentuando a atitude espiritual daquele lugar, que tem mais a ver com um templo do que com a venda de livros ­­– um santuário, com efeito, do nosso bem-estar, de um estar sempre em companhia, num acto de eterna partilha, escutando a música que em prece se insinua por entre os livros, envolvendo todo o ambiente, e devolvendo-nos ao tempo da graça. E se à música lhe juntarmos a luz dos focos em arcos reproduzidos, temos então o céu criado. Sair dali é difícil. E é isto que o José Carlos quer. E o Tápia e a Glória e todos nós.
Por isso, sempre que esteja irrequieto, um pouco fora de si, procure-se na Livraria Sol Mar o
centro, a leveza do espírito, num tempo que não sendo de cólera é razoavelmente pesada para dele fugirmos.
Sempre que vou à Livraria, um pouco mais de asa me transporta ao sustenido conto das alturas.

Adelaide Freitas
Ponta Delgada 15 Abril 1996

4 comentários:

Anónimo disse...

Procure-se na lisvraria e encontre-se nuam refrescante tarte de limão com Lião Tólstói, acompanhado de framboesas silvestre e uma salada cézanne debruada com arroz pessoano, tudo bem regado com vinho espumante le Clézia. Afinal, hoje e sempre Livraria Solmar vende bom e bem para todos tamém.

Ahhhh les livres, les livres.


João Farzão

Anónimo disse...

Olá a todos. O texto da Adelaide Ferreira é absurdamente genial. TEmos cá uma sódades há tempos que não boto os pés na livraria solmar. My regaros,

Maria B disse...

eu procuro-me na livraria tds os dias :) belo texto

Maria das Mercês disse...

Belo texto e belíssima ideia de aqui o (re)publicar.