quinta-feira, 20 de maio de 2010

À Procura Da Grande Estratégia


«À medida que avançamos na idade, a nossa percepção da vida vai-se alterando profundamente: as fúrias e mágoas que tantas vezes sentimos, os desgostos e as decepções perdem-se numa névoa difusa e as benções que recebemos tornam-se mais vivas e ganham novos contornos. Apercebemo-nos de que quanto somos e fazemos resulta da dádiva que nos fizeram os nossos pais- ao transmitirem-nos aquilo que de melhor souberam e puderam- e da sorte dos encontros e também dos desencontros que a vida nos foi oferecendo.
Dos meus encontros açorianos tenho falado várias vezes, mas hoje queria recordar especialmente o que tive com o Mário Mesquita, na JEC de Ponta Delgada, da qual viríamos a ficar tão longe, e que deu início a um percurso intenso de amizade e camaradagem que os anos mais não fizeram do que reforçar. A minha admiração pelo Mário Mesquita, homem de cultura, jornalista e cidadão exemplar, foi sempre crescendo e, quando ele me convida para qualquer iniciativa, I always come running, para evocar o título do belo filme de Vincent Minelli.
Quando o Mário me pediu um título para a minha intervenção, respondi-lhe, quase de imediato, com um que não o deixou especialmente feliz, New Deal: «Nothing will bring back the hour of the splendor in the grass» ?, em homenagem ao belo texto que ele próprio escreveu aquando da morte de Natalie Wood, única de sensibilidade ferida no filme de Elian Kazan, de entre tantos tão amado e tão especialmente tocante para quem nasceu e viveu numa cidade pequena, e período de tão forte repressão sexual.
Reparo que é este o segundo filme que aqui evoco, o que não é seguramente por acaso para quem, nas soirées e matinées deste mesmo Teatro Micaelense (e nos seus intervalos também, claro está), nas sessões de três filmes ao domingo à tarde no Marítimo, nas sessões duplas do Coliseu, no Cine Vitória e, no Verão, na inesquecível esplanada do Cine-Solar, aprendeu amar o cinema e levou este amor pela vida fora, mesmo quando mais inconstante noutros amores. Aos filmes voltarei, ainda, de resto.
Falar em Esplendor na Relva, a propósito da grande depressão e das medidas adoptadas para o seu combate pode- é certo- espantar, mas quis, sobretudo, com recurso a esta imagem, sublinhar o profundo cometimento cívico de Roosevelt e da geração que o acompanhou, a sua compaixão e determinação em construir um novo pacto social assente na garantia de protecção contra a miséria, a doença, a insegurança e o desemprego. Esses foram de facto, tempos de esplendor e glória para quantos acreditam no interesse público.»

Eduardo Paz Ferreira

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«Este livro baseia-se nas comunicações apresentadas ao I Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt, a assinalar os 90 anos da passagem de FDR pelos Açores, em 1918, quando se encontrava instalada a Base Naval de Ponta Delgada.
A escolha de Roosevelt visa não só assinalar a sua escala no Arquipélago em 1918, mas, sobretudo, o seu papel enquanto arquitecto de uma nova ordem internacional, capaz de retomar a herança de Wilson. Os últimos dias da vida de Roosevelt foram dedicados a lançar as bases da Organização das Nações Unidas. Se olharmos para a caótica estrutura das relações internacionais após a Guerra Fria, o 11 de Setembro e a emergência de novas potências, temos de reconhecer que, com todos os seus limites e imperfeições, a ONU é a principal referência que nos resta, quando quase todas as estruturas aluíram, para tentar construir novos equilíbrios.»

Mário Mesquita

À Procura da Grande Estratégia de Roosevelt a Obama, Coordenação de Mário Mesquita, Sara Pina e Susana Neves, Ed. Tinta da China

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