Esta poesia - trata-se aqui do segundo livro de Renata Correia Botelho impõe-se pela densidade de uma tonalidade afetiva, que é a da tristeza e do luto. Esse é o seu território exclusivo, onde se abrem abismos de estranheza, mesmo no interior do que é familiar. Conseguir manter sem interrupções esta tonalidade musical sem ceder aos apelos fáceis da subjetividade Iírica, eis o que faz deste livro um momento alto da poesia portuguesa mais recente. O título é retirado de uma canção de Lhasa de Sela, cantora americana que morreu em Janeiro deste ano, com 37 anos. É ela a figura de invocação da segunda parte do livro, toda ela uma canção lutuosa que irradia uma dimensão inquietante em todas as direções. Trata-se de uma beleza sinistra a que o trabalho da memória dá forma, desde o primeiro poema do livro: "A minha infância tem uma árvore/ assombrosa, é uma bela história de amor/entre as nossas mãos pequeninas/ e aqueles seus braços enormes, bravos e/ loucos como o riso das mães,/ que faziam abrandar o medo e a tarde." Sombras, fantasmas, demónios, escuridão: estes são os tropismos de "Small Song", não para projetar sobre a paisagem interior e exterior uma óbvia luz negra, mas para introduzir uma estranheza fundamental que é a do horizonte da morte. Esse é o tema fundamental deste livro, perseguido com obstinação e rigor, não como quem se defronta com o irrepresentável, mas como quem apreende em todo o lado as suas manifestações, as suas figurações expansivas, sob cujo signo tudo se apresenta. E, no entanto, triunfa uma serenidade e uma resistência a qualquer elevação retórica: esta poesia torna grandes as pequenas perceções, escava abismos temporais no plano presente, no aqui e agora. Aparentemente, com recursos mínimos.
António Guerreiro, Expresso 13 Novembro 2010.
António Guerreiro, Expresso 13 Novembro 2010.
Sem comentários:
Enviar um comentário