domingo, 3 de outubro de 2010

Os Açores vistos por Mark Twain



“ Suponho que na América pouco se sabe dos Açores. De todos os passageiros do nosso paquete, não havia um único que soubesse o que fosse sobre estas ilhas (…). A comunidade é principalmente portuguesa – ou seja, pobre, apática, modorrenta e preguiçosa (…). A população das ilhas perfaz cerca de 200 000 almas, quase todas portuguesas. Tudo está perfeitamente establecido, visto que a região já tinha cem anos quando Colombo descobriu a América. A colheita principal é o milho, que eles cultivam e moem tal e qual faziam os seus tetravós (…). Os bois pisam os espigas de trigo, segundo o costume do tempo de Matusalém. Não há um único carrinho de mão em toda a terra: levam tudo à cabeça, ou em cima das mulas, ou numa carroça com caixa de vime e rodas de madeira maciça cujo os eixos giram em simultâneo com as rodas. Não há qualquer arado moderno naquelas ilhas, e nem uma só ceifeira. Todas as tentativas de introduzir essas ferramentas agrícolas falharam. Os bons católicos dos portugueses benzeram-se e pediram a Deus que os guardasse do desejo herético de quererem saber mais do que os seus pais antes deles. O clima é ameno; nunca têm neve ou gelo, e não há uma única chaminé em toda a povoação. Os burros e os homens, as mulheres, e as crianças da família comem e dormem todos na mesma casa, e apresentam-se sujos, cheios de bichos e extremamente felizes. As pessoas mentem e enganam os estrangeiros, e são terrivelmente ignorantes e não têm quase nenhum respeito pelos mortos. Por esta última característica bem se vê que são pouco melhores do que os burros com que dormem e comem.”

Excerto de A Viagem dos Inocentes de Mark Twain, edição Tinta da China de 2010, originalmente publicado em 1869.


A Viagem dos Inocentes é a primeira edição portuguesa de um dos grandes clássicos da literatura de viagens.
Mark Twain, «pai da literatura americana», parte num navio em direcção à Europa, passando pelos Açores. Entre os seus destinos incluem-se Marrocos, França, Itália, Grécia, Rússia e, mais a oriente, os lugares bíblicos.
Na verdade, este foi o maior sucesso literário que Mark Twain conheceu em vida.

Mark Twain é corrosivo e cruel na descrição e considerações sobre os Açores.

4 comentários:

Anónimo disse...

uma espécie de gente feliz com bichos !!! Por onde andou este homem ???
JNAS

Maria Brandão disse...

Burros felizes. Está certo :D

Anónimo disse...

Andou pela Horta em meados do séc. 19... Não me surpreende! Fora as famílias abastadas, viver nos Açores naquela época deveria ser muito duro. E Mark Twain é Mark Twain, corrosivo com todos!
Maria das Mercês

José Corvo disse...

Hoje, 07/12/2010, a propósito de Mark Twain e os Açores deparei com este tipo de análise publicada no Diário de Notícias e fiquei perplexo sem saber o que pensar.
Esta imagem de Portugal é tristemente circulante e dificilmente se consegue alterar.
Foi assim a partir de 1536 mas em pleno Século XX Salazar publicou a Lei do Condicionamento Industrial, exactamente para que o povo se mantivesse feliz agarrado às sua origens. Um engenheiro de Coimbra, em 1940, foi preso por ter criado um motor que trabalhava a água.
Os Ingleses, caso tivessem de ser julgados em Portugal, ir-se-iam embora e para isso em Portugal os ingleses não podem ser julgados devido ao obscurantismo das leis da Igreja Católica...É difícil lutar contra isto e contra a superstrutura religiosa que lhe dá consistência e que tem o seu apogeu nas aparições de Fátima.