terça-feira, 21 de julho de 2015

Os livros são comparáveis a seres vivos





“Os livros são comparáveis a seres vivos, a pessoas amadas,
permanecendo ligados às circunstâncias do encontro
e às emoções que suscitam.”
Marcel Proust


 
A invenção do livro está intimamente ligada á escrita e á leitura. Aquilo que está impresso tem uma dimensão cultural inultrapassável, dirigindo-se a um leitor, possuindo como finalidades: o conhecimento, a reflexão, o ensino, a evasão, a difusão do pensamento e a preservação da memória coletiva. O livro é um dos grandes meios da história da comunicação. Desde o séc XV, com a prensa de Johannes Gutenberg, até aos nossos dias, assiste-se a uma expansão a nível mundial, num aumento de quantidade de obras publicadas, numa maior distribuição, de tal modo que este passa a estar presente no nosso quotidiano.

Em finais do séc. XX, na década de 90, a internet alcança a população em geral, através do World Wilde Web, tendo como seu mentor Tim Bernners. Lee. Surgem grandes mudanças, que na forma como a informação é transmitida, que na alteração em quase todas as áreas do nosso modo de vida. É aqui que nasce o e-book, ou seja, o livro em suporte eletrónico, a par de um admirável mundo novo- a Era do Digital. Ganhando cada vez mais força na sociedade contemporânea, esta é a revolução digital do próprio livro. A questão que se coloca é se o livro tradicional, e a sua existência enquanto tal, estarão ameaçados pelo e-book? Para isso, temos de perceber quais as valências de um e de outro. No caso do livro digital, este será sempre uma cópia do seu antecessor, tem grafia e páginas semelhantes às do livro impresso, mas numa sociedade de imagens, eis que o computador nos fixa na obrigatoriedade de ler. No digital o acesso é mais rápido, a sua capacidade de armazenamento é maior, ocupando muito pouco espaço, por exemplo: como consultar os 35 volumes e 71.818 artigos, da Encyclopédie de Denis Diderot? A resposta é: online. Umberto Eco, distingue dois tipos de livros, aqueles de consulta e aqueles de ler. Reconhecemos, então, que há outras possibilidades de relação com o livro, combinando acessibilidades múltiplas e que os modos de leitura têm-se alterado ao longo da história.

Hoje, tudo é digital, tudo é móvel, a procura de e-books aumentou exponencialmente, principalmente nos EUA e Inglaterra, alastrando-se para o resto do mundo, bem como, o aumento e oferta de novos aparelhos, tais como: portáteis, smartphones e tablets. O avanço tecnológico é vertiginoso, o que foi ontem, já não o é hoje. As questões ambientais que se aponta ao livro tradicional, como o gasto de papel e tinta, são tão pertinentes como a gestão de resíduos dos equipamentos, e do consumo energético de que estes necessitam para funcionar. Significa que, para o leitor, será sempre necessário energia elétrica para manter esses aparelhos operacionais. Ao adquirir novos equipamentos obriga-nos a toda uma mudança arquitetónica mental, até à habituação do sofisticado grito tecnológico. A nossa capacidade de leitura no ecrã, é bem mais reduzida, devido às nossas limitações físicas. Num estudo levado a cabo pela Universidade da Harvard, provou-se que o e-book interfere no sono, principalmente naqueles que leem na cama, a luz emitida pelos dispositivos incomoda e não ajuda. Neste mundo da Internet os focos de distração são muitos, com um clique podemos aceder a links, a ler uma notícia de última hora ou até mesmo a ver a página do facebook. No livro impresso isso já não acontece, ele é encerrado em si mesmo e é fiel a si próprio. Umberto Eco e Jean- Calude Carrière, na obra Obsessão de Fogo dizem-nos o seguinte «O livro é como uma colher (…). Uma vez inventados, não se pode fazer melhor. Não se pode fazer uma colher que seja melhor que uma colher.»

O livro tradicional tem uma dimensão sensorial, emocional e afetiva únicas. Podemos estabelecer uma relação física através do toque das capas, da textura do papel, do cheiro, da tinta, numa experiência singular e individual. São potencialmente eternos desde que bem conservados, são resistentes ao choque, embora possam cair e danificar-se, não impossibilita a leitura. Ir a uma biblioteca, autênticos templos do livro, onde o acesso é gratuito na consulta, sendo permitido o empréstimo, ou ir a uma livraria, agarrar, ler alguns parágrafos antes de comprar, é sem dúvida o reflexo das múltiplas possibilidades que o livro oferece.

Roger Chartier, numa entrevista intitulada Da história da Cultura Impressa à História cultural do Impresso sugere que o livro impresso deveria copiar as mais-valias da técnica eletrónica, permitindo ao leitor escrever nas margens, como dentro do próprio texto, para que este torne mais maleável. Aqui levanta-se o problema dos direitos de autor, e neste caso estaríamos a ser coautores.

Os livros representam um negócio importante e sempre o foram desde a Idade Média. Contudo, depara-se na atualidade com dois graves problemas. O primeiro está relacionado com o fator económico, o elevado custo de produção do livro físico, tendo em conta a impressão, a distribuição e o seu comércio, em comparação com o e-book, que apresenta resultados de rentabilidade mais elevados para os editores, ao eliminarem os intermediários através da venda direta online. O segundo problema, é a importante defesa dos direitos de autor, pois não estão criadas condições nas plataformas digitais de proteção contra a cópia indevida.

Podemos afirmar que o livro é um resistente, pois sobrevive desde o séc. XV, até aos dias de hoje, bem ao contrário, a internet ainda é jovem. Neste espaço, e neste tempo, anunciou-se a morte do livro, mas a realidade tem vindo a mostrar o contrário. Segundo o Financial Times, contrariando todas a expetativas, as vendas do livros em papel sofreram um aumento em 2014, no mercado livreiro dos EUA, Reino Unido e Austrália, enquanto as publicações em dispositivos eletrónicos diminuíram. Este novo paradigma tem tendência a manter-se, segundo os especialistas, o incremento da compra do livro impresso tem sido fortemente influenciado por um público mais jovem – muito curioso é que os jovens leitores acreditam que a informação verdadeira está fora da Internet. A venda de títulos como A Culpa É das Estrelas, de John Green ou a saga Crepúsculo de Stephenie Meyer, está no topo das preferências dos jovens adolescentes entre os 13 e 17 anos.

Concluindo, podemos afirmar que o perigo efetivo para o livro, quer em suporte digital, quer em papel, será sempre a falta de hábitos de leitura.

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