SONETOS COMPLETOS
Antero de
Quental
"Antero de Quental (1842-1891),
figura mítica e romântica do Portugal oitocentista, filho e neto de liberais e
de mãe muito religiosa, viveu quase sempre dividido entre esses dois mundos e
disso deu conta em poemas, cartas e muitos outros textos. Num Portugal atrasado
e pobre, ousou, pensou, combateu, amou, sempre com a mesma alta postura ética.
Foi sobretudo um poeta. E como tal reconhecido por leitores alemães, espanhóis,
russos, franceses, ingleses, italianos, suecos. A Livraria Artes & Letras,
de Ponta Delgada, terra natal de Antero, quis assinalar o nascimento, a vida e
a obra de um dos “Vencidos da Vida”, organizador das Conferências Democráticas
do Casino Lisbonense, com a publicação desta cuidada edição dos “Sonetos
Completos”. Para tal convidou Ana Maria Almeida Martins, especialista na obra
do “poeta das ideias”, autora do prefácio, que recupera a edição de 1886, por
respeitar integralmente o critério de Antero de Quental. A luz, paixão e fogo
que vibram na poesia de Antero, mormente nos Sonetos, dão bem a medida de uma
aspiração que o acompanhou no tempo que vai da redação à revisão e publicação
dos mesmos, aspiração essa temperada por um filtro metafísico que eclode
sistematicamente nos versos e os satura de uma mescla de sentir e pensar, de
compulsão e contenção, como não podia deixar de ser num homem cujas
características sempre foram essas mesmas, quer enquanto indivíduo introspetivo
quer enquanto cidadão interventivo. Para o autor, os Sonetos constituíam uma
espécie de autobiografia espiritual, o que terá induzido uns quantos a olhar
para a sua poesia como um mapa dos seus tormentos existenciais, amorosos e
outros, chegando mesmo a entender a reflexão metafísica e o pessimismo ali
presentes como prenúncio do dia fatídico. Felizmente, outros tantos leitores
assinalaram, também desde os primórdios, o quanto a poesia anteriana tem, como
disse o correligionário Eça de Queirós, dessa “coisa estranha e rara – as dores
de uma inteligência”. Uma inteligência dividida entre eros e tanatos. Uma
poesia das coisas que se insinua, lenta e musical, no leitor. “Deixá-la ir, a
vela, que arrojaram/ Os tufões pelo mar, na escuridade,/ Quando a noite surgiu
da imensidade,/ Quando os ventos do Sul se levantaram…// Deixá-la ir, a alma
lastimosa,/ Que perdeu fé e paz e confiança,/ À morte queda, à morte
silenciosa…”. Razão tem por isso Eduardo Lourenço quando assinala que não há na
nossa literatura poeta tão naturalmente universal como Antero. “É como se
estivesse só no Universo, ilha pura, sem qualquer arquipélago.”"
CARLOS BESSA
in Expresso, Agosto 2016
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