“Esta
pintura possui níveis diversos que interagem com a diferença entre a realidade
e a ficção ou, em geral, com as diferenças entre o ser e a sua aparência. A luz
cai sobre a pintura, proveniente de uma fonte invisível do lado de fora da janela
na metade esquerda da cena, o que atrai a nossa atenção. A cena está diante de
nós como num palco, com um cortinado verde puxado para trás, o sublinha a
estrutura cénica da pintura. A jovem recebeu uma mensagem escrita que está a
ler e é muito provavelmente de uma mensagem amorosa que se trata. As faces
estão ligeiramente coradas, o que podemos interpretar como manifestação de
vergonha. Além disso, o cortinado é da mesma cor do seu vestido, o que pode ser
interpretado, com alguma perspicácia psicanalítica, como uma expressão da
vontade que tem quem observa a pintura (que somos nós) de a despir com os olhos.
Até porque a observamos numa cena íntima. Um outro indício do tom sexual
subjacente à pintura está contido na tigela com a fruta, ligeiramente
entornada, de onde caiu um pêssego semicómico, encontrando-se a tigela sobre
uma cama de roupa revolta. É de notar, além disso, que a jovem não se volta
para a fonte de luz mas sim para acarta que tem na mão e que lê com ar ansioso,
aparecendo refletida no vidro da janela aberta. Isto pode ser uma referência
crítica ao tema pecado. A jovem rejeita a fonte de luz divina e dá importância aos
seus desejos mundanos.”
A
vida, o universo e tudo o resto – é possível que todos nos interroguemos muitas
vezes sobre o que significam. E qual é a nossa situação no meio disto tudo?
Seremos apenas um monte de partículas elementares num contentor gigantesco à
escala mundial? Ou constituirão os nossos pensamentos, os nossos desejos e as
nossas esperanças uma realidade própria e, nesse caso, que realidade
constituem? Como podemos compreender a nossa existência ou, mesmo, a
existência, em geral? E qual é o alcance do nosso conhecimento? Nesta obra
desenvolvo o princípio de uma nova filosofia que parte de um simples
pressuposto básico: o mundo não existe. Como o leitor verá, isto não significa
que nada exista. O nosso planeta existe, tal como existem os meus sonhos, a
evolução, os autoclismos, a queda de cabelo, a esperança, as partículas
elementares e até mesmo os unicórnios na Lua, só para citar algumas coisas. O
princípio de que o mundo não existe significa que tudo isso existe mas de
maneira diferente.» Gabriel não é apenas o professor de filosofia mais jovem da
Alemanha, mas também um pensador estimulante, que nos propõe respostas
originais para as grandes perguntas da humanidade.
Porque Não Existe o Mundo, Markus Gabriel, Temas e Debates, 2014.
Sem comentários:
Enviar um comentário