segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ficções em espelho



“ Quando o avião passou sobre a linha oblíqua do molhe, ganhando os ares em direcção ao nascente, R. Blaine olhou as águas baças da baía onde nenhum navio se espelhava e pensou que há, por vezes, feridas tão fundas como o tempo, que atravessam o seu interior sem perturbar a estagnação dos dias. Talvez Ilsa L pudesse vir a tornar-se a sua ferida mais obscura, a flor intangível que se guarda longe dos olhares estranhos. Isso, porem, seria ainda uma forma de prolongar a memória de um tempo de que, afinal, não sabia se gostaria de libertar-se ou não. Em baixo, na Avenida, os automóveis continuavam a circular demoradamente, mas a difusa vibração do ar que atravessava as grandes janelas da Livraria era ainda um derradeiro sinal do avião em que Ilsa L se perdia, quem sabe se para sempre, no interior das nuvens paradas sobre o mar.”


Que Paisagem Apagarás de Urbano Bettencourt, Ed. Publiçor. 2010

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