Estamos no centro de Ponta Delgada, numa rua
estreita e calma, metade ao sol metade à sombra, onde o tempo passa devagar. Entrei
num pequeno espaço comercial, aberto a todos os que por ali passam. Ao fundo do
corredor, ladeado de máquinas e mesas da era de Gutenberg, está um homem de
estatura média, vestido de azul escuro: é o tipógrafo Dinis Botelho. O cheiro a
tinta invade-nos as narinas sem pedir licença - há folhas de papel por todo o lado, mesas de
caracteres móveis, prensas, chapas, tinta preta que tinge o chão com largos
borrões. O labor é feito num compasso lento, as máquinas estão em silêncio. As
matrizes (letras do alfabeto) estão às avessas e de tantas letras de um mundo
ao contrário nascem calendários, cartões, blocos, cadernos com um design
arrojado. Estou na Tipografia Micaelense, um autêntico museu vivo, aberta a uma
cultura urbana que tem vindo a mostrar-se segura e ambiciosa.
Um
grupo de jovens artistas açorianos com formação, gosto e sensibilidade, dão todos
os anos àquele espaço outra vitalidade e dinâmica. São cinco, como as Aventuras
de Enid Blyton, e a aventura vai fervilhando num encontro feliz entre o antigo
e o moderno. Todos com formação em áreas diversas: Júlia Garcia, em desing de
comunicação, André Laranjinha, em pintura, Maria Emanuel Albergaria, em antropologia,
Diana Diegues, coordenadora gráfica das criações periféricas e Nuno Silva
formado em filosofia. A eles se deve a Agenda que irá pautar o passar do tempo
na ilha; «Um peixe de terra no meio do mar/
Este meu naco de chão onde vou dando recorte aos passos da minha alma» como
diz o poeta Emanuel Jorge Botelho nas suas 30
Crónicas.
Desde
2014 que, na Micaelense, se vê criar esta agenda singular, feita manualmente e
impressa de forma artesanal. Os temas foram variando ao longo dos anos: no
primeiro, o Tempo, em 2015 Ilhas, 2016 contemplou a Luz, 2017 trouxe-nos o Corpo,
e em 2018 chegou a Terra. A ideia foi criar uma agenda diferente de todas as
outras, personalizada, artesanal e numerada o que a torna única, sendo uma forma
de louvar a arte tipográfica.
A
Micaelense é a única tipografia, em Ponta Delgada, sobrevivente à passagem,
avassaladora, dos tempos hipermodernos.
Já
sabe! Comprar um livro é imprescindível como prenda de Natal, e se comprar a
Agenda Terra 2018, à venda nas livrarias da cidade, estará a contribuir para perpetuar
a memória e valorizar o nosso património.
Publicado
no Açoriano Oriental, 20 Dezembro, 2017.
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