Edward Hopper
Lembro-me de que, em
Paris, à entrada de um alfarrabista para os lados de Notre-Dame, vi copiado o
início do poema que Walt Whitman dedicou “a um estranho”. E os versos de
arranque dizem o seguinte: “Estranho que por mim passas! não sabes com que/
desejo ardente meus olhos te fitam.” Os estranhos somos nós, os leitores, os
possíveis leitores ou os que não chegamos a sê-lo, pois tantas vezes passamos
ignorando o que os livros nos dedicam e a longa espera, mesmo se falhada, que
fazem por nós. Falar de indústria a propósito dos livros é um palreio escasso,
quando não absurdo. Nos livros interessa não a sua materialidade mas a
pré-história que a contamina. Um livro é um enigma como as pirâmides do Egito.
É um laboratório em combustão. Uma saída de emergência. Um clube de socorro a
náufragos. Um intercomunicador entre silêncios. Um lança-chamas. Um abrigo de
floresta. Um trilho mais adiante.
José Tolentino Mendonça (In) E Revista do Expresso, 10 Junho 2017
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